sexta-feira, 26 de março de 2010

Politicamente correto.

Renato Aragão está comemorando 50 anos do personagem Didi Mocó. Ele falou sobre o personagem e também sobre os dias de hoje, como está difícil fazer piada. Achei legal o que ele disse, que antes, uma piada era só uma piada, não tinha ninguém para procurar entre as piadinhas alguma coisa considerada politicamente incorreta. Hoje ele não faz mais nenhuma piada com deficientes, por exemplo. Ficou realmente complicado satirizar os outros. Eu não ligo a mínima.
Eu gostava muito dos Trapalhões, com os quatro companheiros, Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Muitos quadros do programa eu ria, mesmo sem ouvir, porque eles levavam muito para o lado pastelão. Assisti alguns filmes deles também, dublados, mas que dava para entender a história. Antigamente eu tinha uma grande paciência para poder entender a interpretação e associar as cenas às histórias. Tanto que assistia muitos filmes, mesmo que não tivessem legendas. Eu era jovem e tinha uma paciência enorme para assistir estes filmes sem legendas. Hoje, quando começa um filme, se não tiver legenda, eu desligo a tv. Ou, se o filme se mostrar interessante desde o princípio, eu procuro o título na locadora.
Entre meus amigos surdos, a gente faz muita piada conosco mesmo. Sabemos dos tratamentos não convencionais que os ouvintes nos dão, da idéia préfixada de que somos "burros" e a pior de todas: de que somos incapazes. Nós temos bons amigos ouvintes, intérpretes, que convivem conosco, nos ambientes ouvintes/surdos e nos contam todas estas coisas. Embora eu reclame quando necessário, nas maioria das vezes, rimos muito.
Meu amigo intérprete, no setor de trabalho que empregava muitos deficientes, cansava de ouvir os gerentes do setor dizerem:
- Os mudinhos não estão conseguindo fazer o trabalho direito.
Embora a maioria dos surdos fale, normal ou parcialmente, sempre tratam os surdos como mudinhos.
Uma vez eu estava participando de uma dinâmica e por acaso a psicóloga perguntou se eu sabia o nome do intérprete. Claro que eu sabia. Logo depois ela pediu que escrevessemos o nome num papel. Entendi que uma pergunta era consequência da outra e escrevi o nome do intérprete. Ela me olhou espantada e perguntou se esse era meu nome. Eu respondi, claro que não, é o nome do intérprete. Ao invés de ela tentar entender porque cargas d'água eu escrevi o nome do intérprete, ela me olhou em tom zombeteiro e disse que mandou eu escrever o meu nome. Não há nada pior que começar errando com uma psicóloga. Ela te considerará burro mesmo.
O mais estranho é quando estamos tentando alertar alguém de algum erro, principalmente de erro escrito.
Meu intérprete liga para o setor responsável pela contratação dos surdos:
- O Jairo está dizendo que há um erro no contrato, no item tal, parágrafo tal, que de acordo com a Lei tal não pode ser assim.
- O surdo?
- Ele mesmo.
O meu intérprete diz que a pessoa do outro lado da linha está rindo. A pessoa diz que o contrato está correto, foi redigido pelo advogado da empresa e tal. Mas, meu intérprete me conhece suficientemente para saber que eu não estaria contestando o item se não tivesse lido e relido a lei. Insiste para a pessoa confirmar com o  advogado e ela, de má vontade, faz o solicitado.
Mais tarde liga pedindo desculpas.
- O Jairo está certo, o advogado vai modificar o item.
Meu intérprete diz que deu vontade de falar na hora: pois é, o surdo, né?
Mas, neste caso, ele tem que ser politicamente correto com a pessoa e não pode destratá-la.

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