sábado, 20 de agosto de 2016

Na roça.

A jardineira
Num fim de semana fomos, eu e meu primo, para a roça dos pais do Jamir. Fomos, nós três e a irmã mais velha do Jamir, na jardineira, um ônibus antigo, com frente de caminhão Mercedes Benz. Nós achávamos o máximo andar de carro ou ônibus. Hoje, acredito que veículos motorizados são uma coisa muito banal para as crianças. Não tem a empolgação que a gente tinha. A jardineira levava diversos moradores da roça, com suas compras, alguns com seus animais de pequeno porte (galinhas, pintinhos, patos). Na roça, nós três ficamos a brincar na área em volta da casa principal da fazenda.
Hoje também é difícil a criançada simplesmente brincar sem mais nem menos. Muitas vezes os adultos ditam para as crianças; brinca disso ou daquilo, sem contar os absurdos de chegar em alguma roça com a criançada e a primeira pergunta deles é: cadê o videogame? A casa dos pais do Jamir não tinha energia elétrica naqueles tempos. À tarde, nós três estávamos brincando no laranjal e o Jamir propôs de experimentar laranjas diferentes. Ele sabia qual era qual; São João, bahia, seleta, laranja-lima, laranja-pêra, etc, etc. Nesse meio tempo as irmãs do Jamir passaram por nós e disseram:
- Nós vamos ali e já voltamos. - a irmã mais velha do Jamir era colega das minhas irmãs mais velhas, estudavam o antigo magistério, seriam futuras professoras.
- Tá bão, - respondeu o Jamir - a gente fica brincando aqui.
Nós mineiros e este "ali" é complicado... O "ali" pode ser a esquina da rua ou quilômetros de distância. Lembro que os pais do Jamir também foram, na charrete. As irmãs do Jamir foram a cavalo.
Ficamos ali no laranjal, brincando e rindo, conversando fiado, subindo em algumas árvores. O tempo foi passando, a tarde avançando e começando a escurecer. Voltamos para a casa da fazenda, mas dentro estava escuro demais, então ficamos na escadaria. A escuridão da casa era mais assustadora do que a penumbra fora. Sentimos falta dos adultos:
- Seu pessoal está demorando, Jamir. - eu disse.
- Pior que num entendi onde eles falô que ia.
- Parece que sua irmã queria ver um rapaz, acho que Francisco.
- Vixi, então eles foi na fazenda do Seu Norato.
Ficamos os três a fitar a estrada ao longe, a claridade cada vez menor. Os três sentados na escadaria, a casa da fazenda já estava totalmente às escuras. Meu primo inventa:
- Vou beber água...
Sobe os lances da escada, passa pela porta da entrada e retorna.
- Não ia beber água? - perguntei.
- Não enxergo nada lá dentro!
A única coisa que evitava o nosso pânico era a companhia um do outro. Já não era possível avistar o caminho ao longe. Apenas uns cinco metros à frente. Os três, sentados juntos nos degraus, temendo a escuridão que começava a tomar conta de tudo, o silêncio assustador, entrecortado por alguns sons de pássaros e animais noturnos.
De repente, ouvimos ao longe o tropel de cavalos. Não era possível avistar quem se aproximava. Só o som dos cascos dos cavalos no chão de terra. Ficamos de pé, quase ao mesmo tempo, forçando a vista para ver quem chegava. Dava para escutar as batidas dos três corações; como bumbos em ritmo acelerado. O tropel de cavalos se aproximava, nós três de pé na escadaria, começamos a subir os degraus de costas, devagar, olhos arregalados. O medo de não saber o que se aproximava dava coragem suficiente para entrar na casa às escuras, se necessário fosse. Nós três, subindo a escadaria de costas, no mesmo ritmo, era a imagem pura e simples do medo.
Então ouvimos uma voz:
- Eu devia ter botado uma sela neste cavalo.
Aliviados, reconhecemos a voz de uma das irmãs do Jamir. Eles chegaram, os pais do Jamir de charrete e a mãe dele perguntou:
- Porque vocês não entraram, meninos? E você, Jamir, nem para acender uma lamparina?
Rimos. Nenhum de nós falou nada. Mas, qual!, a casa às escuras dava mais medo que o quintal com a claridade normal de uma noite limpa.

*Os nomes citados não são os verdadeiros.
Publicado originalmente em 2010.