quarta-feira, 20 de maio de 2015

A "mãe em dobro"

Ela tem um instinto maternal que a diferencia...

Do Estadão

Após troca de bebês, mãe assume os dois filhos em Votorantim (clique para ler a matéria no portal estadao)
Por José Maria Tomazela

Rita da Silva lutou na Justiça até conseguir autorização judicial para ficar com as crianças; 'mãe em dobro' terá direito a indenização


SOROCABA - Uma troca de bebês na maternidade de um hospital de Votorantim, na região de Sorocaba, acabou tendo um final duplamente feliz para a dona de casa Rita Ribeiro da Silva, de 37 anos. Depois de ter sido determinada a destroca, ao ver que a mãe da outra criança recusava o próprio filho, ela lutou na Justiça até conseguir autorização judicial para ficar com as duas crianças. Agora, a Justiça acaba de reconhecer que a "mãe em dobro" tem direito a uma indenização pelo drama que viveu.
Rita deu à luz em 2004 na Santa Casa, mas logo percebeu que Giuliano, o filho que levara para casa, não tinha os traços da família. "Sou negra e o bebê era branquinho, de olhinhos claros. Aí o meu marido, também escuro, veio me acusando, dizendo que eu o tinha traído. Ele até saiu de casa." Rita foi ao hospital e, depois de muita insistência, conseguiu que a troca fosse apurada. Logo se descobriu que seu filho podia ter sido levado por um casal de Piedade, cidade vizinha, já que a mulher dera à luz em horário compatível na mesma maternidade. Exames de DNA confirmaram que Vitor Hugo, a criança que estava com a outra mãe, era filho de Rita.
No processo de destroca, por determinação do Ministério Público, as duas mães conviveram com os filhos na mesma residência durante duas semanas e Rita observou que a outra mulher não tinha amor pelo filho biológico. "Quando recebi meu filho de volta, ele estava descuidado, com sarna, piolhos e até berne. Eu estava amamentando o Giuliano e passei a amamentar também o Vitor Hugo. Quando ela levou o Giuliano embora, fiquei com aperto no coração", conta. Algum tempo depois, o menino voltou para casa. A mãe biológica admitiu que não teria condições de cuidar dele, o que foi comprovado por perícias pedidas pela Justiça.
De acordo com o advogado José Roberto Galvão Certo, que passou a cuidar do caso, as duas famílias são muito pobres, mas Rita tem um instinto maternal que a diferencia. Tanto que Giuliano também não queria viver com a mãe biológica, preferindo ficar com Rita. "A Justiça não teve dúvida em autorizar a adoção do Giuliano pela Rita, que passou a ser a mãe de direito das duas crianças." Rita tem outros três filhos e, para cuidar das crianças, deixou de trabalhar, passando a viver com a pensão de R$ 1,4 mil deixada pelo ex-marido, que morreu há cinco anos.

No mês passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou sentença de primeira instância condenando a prefeitura, que administra a Santa Casa, a pagar pensão de um salário mínimo até que Giuliano atinja a maioridade. O município também foi condenado a pagar à mulher indenização de R$ 188 mil por danos morais. Não cabe mais recurso da decisão. A prefeitura informou que aguarda a notificação para se manifestar. A mãe, que mora em uma casa de tábuas, em Votorantim, disse que usará o dinheiro para dar uma vida de mais conforto para os filhos.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Ainda as mães!

Esta minha crônica foi publicada originalmente em 22/05/2010.

Mamãe, o papai não te ama?
- Por que está perguntando isso, filha?
- Porque ele foi embora? Ele só vem me buscar ou me ver, mas não quer ver você.
- Às vezes acontece de o amor além de unir, separar.
- E ele te amava muito?
- Alguns dizem que o ciúme é uma prova de amor e seu papai era muito ciumento comigo. Para evitar o pior, decidimos que era melhor nos separarmos.
- Algum outro homem já te amou, mamãe?
- Sim.
- E por que você não ficou com ele, então?
- Porque eu já era casada com seu papai quando eu o conheci.
- E eu já tinha nascido?
- Não.
- Ele gostava de você mais do que meu papai?
- Sim.
- Por quê?
- Não tem uma explicação lógica para isso, minha filha. Algumas vezes apenas sentimos que um amor é maior que outro. Às vezes, justamente um amor que nos causa muito sofrimento.
- Por quê sofrimento?
- Pela impossibilidade de estarmos juntos. Por somente sentir, desejar e amar à distância. Quase que um amor platônico. Mas era real, presente, o afeto, o carinho e a empatia que tínhamos.
- Por que você não o procura? Eu vou entender mamãe!
- Porque agora ele é que está casado.
- Ele me conhece?
- Sim, ele te viu algumas vezes, quando você era pequena.
- Você tem uma foto dele?
- Não.
- Eu posso conhecê-lo?
- Não. Por que você iria querer conhecê-lo?
- Porque quando você fala dele, mamãe, seus olhos brilham, sua voz fica num tom tão meigo, no mesmo tom que você fala comigo quando estou doente. Seu semblante fica feliz, como quando mostro meu boletim escolar para você. Amo meu papai, mas também gosto deste estranho, porque você fica feliz só de falar dele.
- Não há coração igual o seu, minha filha! Mas, agora estamos em situações opostas. Ele está casado e tem filhos.
- E você ainda o ama, não é, mamãe?
- Você é muito esperta também, minha querida. Não vou negar.
- Se você pudesse voltar atrás você ficaria com ele?
- Não, minha filha. Porque o que vivenciamos hoje é fruto das decisões do passado. Você existe, está aqui comigo, devido ao meu passado. E você, minha querida, eu não troco por nada nesse mundo!

sábado, 9 de maio de 2015

Dia das mães!

"Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."
Carlos Drummond de Andrade

Com uma boa entonação de voz li o poema para o Chiquinho. Ele ficava só concordando, meneando a cabeça afirmativamente.
- Tudo isso está escrito aí nestas garatujas?
- Sim. Bonito, não é mesmo?
- É. Mas quem é esse Carlos “Dumon”?
- Ele é o autor do poema. Foi ele quem escreveu isso.
- E você vai escrever estas garatujas para sua mãe?
- Vou. Vai junto com um presentinho.
- Tu lê de novo?
Leio de novo. Ele ouve em silêncio, olhos semicerrados, um leve menear de cabeça.
- E o que você vai dar para sua mãe?
- Nunca dei presente para minha mãe. Nem eu, nem meus irmãos!
E eram muitos. Cinco mulheres e quatro homens. Moravam numa das favelas mais pobres da cidade. Um barraco de dois cômodos. Chão de terra batido, sem água encanada e sem luz. A pequena caixa-d’água enchiam buscando água na bica pública, ao pé do morro. O irmão mais velho de 15 anos trabalhava como servente de pedreiro. Com a experiência do serviço, melhorava aos poucos o casebre. As duas moças, de 13 e 14 anos, trabalhavam em casas de família. Não sabiam o que era escola. Os três mais velhos tinham frequentado um ou dois anos apenas. Embora a mãe insistisse, eles não queriam voltar a estudar. Diziam que era tempo perdido. A mãe também trabalhava como empregada doméstica. O dinheiro nunca era suficiente. Não tinham tv. Somente o mais velho tinha um radinho portátil. Chiquinho confessou que confundia Dia das Mães com aniversário da mãe.
- Que tal você dar um presente pra sua mãe neste domingo?
- Hahaha! Não tenho dinheiro pra nada.  E também nem sei o que daria de presente para  minha mãe.
- Alguma coisa útil! – insisti. – Algo que ela precise mesmo.
- Precisa de tudo! – e ele mesmo estava rindo alegremente.
Chiquinho se lembrou dos chinelos gastos da mãe, que descia o morro todo dia e caminhava mais ou menos cinquenta minutos até a casa da patroa.
- Sandálias não custam caro. Vamos lá comprar para ela. – eu disse, todo animado.
- Tá maluco, cara? Com que dinheiro?
- Eu compro para você e depois você vai me pagando aos poucos.  Quando tiver algum serviço de capinar horta, ajudar mudança, você vai comigo.
- Assim sim.
- Quanto sua mãe calça?
- Hâ??
- Sandálias tem um número, – mostrei a minha sandália para ele – e assim sabemos que vai ficar certa no pé da gente. Nem pequena, nem grande.
- Você faz umas perguntas doidas! – ele riu muito – Não tenho idéia disso não!
- Sua mãe é quase da mesma altura da minha e deve calçar a mesma coisa, 36.
Ele ficou animado e fomos até o centro comprar a sandália. Como eu já adentrava a loja segurando o dinheiro nas mãos, de forma visível, os vendedores não se incomodavam com o meu amigo, pobremente vestido, descalço, com as roupas surradas. Pensavam que a compra era para ele, que estava descalço. Mas, ele estufou os peitos e disse orgulhoso:
- É para minha mãe!
Os olhos dele brilhavam como criança diante de brinquedo novo. Ele estava achando aquilo muito bacana, dar um presente para a mãe, saber que sua mãe também seria homenageada. Ele me conta que sua mãe dizia que ele deveria estudar, que os outros não estudavam, mas que ele não precisava fazer a mesma coisa.
- Fico pensando que a mãe talvez ‘tem’ razão, sabe. Estudar parece algo importante. Aí eu poderia ler aqueles rabiscos do tal “Dumon” para ela, aquelas palavras bonitas, aquela parte que falava “’Se eu fosse’ Rei do Mundo, ‘fazia’ uma lei:  Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho “
Fiquei espantando que ele lembrasse parte do poema e ainda o recitasse, trocando algumas palavras.
- Sua mãe tem razão, Chiquinho. Você deve estudar. Inteligência é o que não lhe falta!

Na segunda-feira encontro o Chiquinho com a mesma tranquilidade de sempre. O sorriso alegre, vem caminhando com uma surrada camisa do Atlético Mineiro, as faixas que deveriam ser pretas estão cinzas, de tão desbotada.
- O Galo ontem ganhou, assisti o jogo no boteco do Seu Manoel e...
- Que Galo o que? Conte como foi com sua mãe!!
- Ah, ela recebeu o presente, ficou muito surpresa e eu disse “Feliz Dia das Mães, mãe!”
- E...
- Me abraçou com muita força, quase me quebra os ossos... e chorou... chorou muito!