sábado, 9 de maio de 2015

Dia das mães!

"Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo –
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."
Carlos Drummond de Andrade

Com uma boa entonação de voz li o poema para o Chiquinho. Ele ficava só concordando, meneando a cabeça afirmativamente.
- Tudo isso está escrito aí nestas garatujas?
- Sim. Bonito, não é mesmo?
- É. Mas quem é esse Carlos “Dumon”?
- Ele é o autor do poema. Foi ele quem escreveu isso.
- E você vai escrever estas garatujas para sua mãe?
- Vou. Vai junto com um presentinho.
- Tu lê de novo?
Leio de novo. Ele ouve em silêncio, olhos semicerrados, um leve menear de cabeça.
- E o que você vai dar para sua mãe?
- Nunca dei presente para minha mãe. Nem eu, nem meus irmãos!
E eram muitos. Cinco mulheres e quatro homens. Moravam numa das favelas mais pobres da cidade. Um barraco de dois cômodos. Chão de terra batido, sem água encanada e sem luz. A pequena caixa-d’água enchiam buscando água na bica pública, ao pé do morro. O irmão mais velho de 15 anos trabalhava como servente de pedreiro. Com a experiência do serviço, melhorava aos poucos o casebre. As duas moças, de 13 e 14 anos, trabalhavam em casas de família. Não sabiam o que era escola. Os três mais velhos tinham frequentado um ou dois anos apenas. Embora a mãe insistisse, eles não queriam voltar a estudar. Diziam que era tempo perdido. A mãe também trabalhava como empregada doméstica. O dinheiro nunca era suficiente. Não tinham tv. Somente o mais velho tinha um radinho portátil. Chiquinho confessou que confundia Dia das Mães com aniversário da mãe.
- Que tal você dar um presente pra sua mãe neste domingo?
- Hahaha! Não tenho dinheiro pra nada.  E também nem sei o que daria de presente para  minha mãe.
- Alguma coisa útil! – insisti. – Algo que ela precise mesmo.
- Precisa de tudo! – e ele mesmo estava rindo alegremente.
Chiquinho se lembrou dos chinelos gastos da mãe, que descia o morro todo dia e caminhava mais ou menos cinquenta minutos até a casa da patroa.
- Sandálias não custam caro. Vamos lá comprar para ela. – eu disse, todo animado.
- Tá maluco, cara? Com que dinheiro?
- Eu compro para você e depois você vai me pagando aos poucos.  Quando tiver algum serviço de capinar horta, ajudar mudança, você vai comigo.
- Assim sim.
- Quanto sua mãe calça?
- Hâ??
- Sandálias tem um número, – mostrei a minha sandália para ele – e assim sabemos que vai ficar certa no pé da gente. Nem pequena, nem grande.
- Você faz umas perguntas doidas! – ele riu muito – Não tenho idéia disso não!
- Sua mãe é quase da mesma altura da minha e deve calçar a mesma coisa, 36.
Ele ficou animado e fomos até o centro comprar a sandália. Como eu já adentrava a loja segurando o dinheiro nas mãos, de forma visível, os vendedores não se incomodavam com o meu amigo, pobremente vestido, descalço, com as roupas surradas. Pensavam que a compra era para ele, que estava descalço. Mas, ele estufou os peitos e disse orgulhoso:
- É para minha mãe!
Os olhos dele brilhavam como criança diante de brinquedo novo. Ele estava achando aquilo muito bacana, dar um presente para a mãe, saber que sua mãe também seria homenageada. Ele me conta que sua mãe dizia que ele deveria estudar, que os outros não estudavam, mas que ele não precisava fazer a mesma coisa.
- Fico pensando que a mãe talvez ‘tem’ razão, sabe. Estudar parece algo importante. Aí eu poderia ler aqueles rabiscos do tal “Dumon” para ela, aquelas palavras bonitas, aquela parte que falava “’Se eu fosse’ Rei do Mundo, ‘fazia’ uma lei:  Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho “
Fiquei espantando que ele lembrasse parte do poema e ainda o recitasse, trocando algumas palavras.
- Sua mãe tem razão, Chiquinho. Você deve estudar. Inteligência é o que não lhe falta!

Na segunda-feira encontro o Chiquinho com a mesma tranquilidade de sempre. O sorriso alegre, vem caminhando com uma surrada camisa do Atlético Mineiro, as faixas que deveriam ser pretas estão cinzas, de tão desbotada.
- O Galo ontem ganhou, assisti o jogo no boteco do Seu Manoel e...
- Que Galo o que? Conte como foi com sua mãe!!
- Ah, ela recebeu o presente, ficou muito surpresa e eu disse “Feliz Dia das Mães, mãe!”
- E...
- Me abraçou com muita força, quase me quebra os ossos... e chorou... chorou muito!



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