terça-feira, 31 de julho de 2012

A arte de fazer arte - II

Nas aulas de datilografia a Irmâ C. nos levava para o prédio do Colégio Monte Calvário, pois o Instituto Santa Inês ficava em um prédio mais ao fundo. A entrada para o ISI, aliás, era separada do Monte Calvário. No recreio, no entanto, usufruíamos do mesmo pátio. A Irmã C. era muito alegre, gostava muito de todos nós e era também cruzeirense. Eu e o Adão, que tanto falávamos de Cruzeiro descobrimos isso e eu fiquei curioso:
- Mas, como a senhora acompanha os jogos?
- No rádio, quando o horário livre permite.
Ela explicou que era uma coisa da família, do pai, principalmente, que a levava ao estádio quando era pequena.
Quando passamos pelos corredores do Colégio, eu e o Adão percebemos que o dormitório das noviças ficava do lado direito do prédio. A Irmã C. nos buscava toda quinta-feira e quando chegava no final do grande corredor, ela parava à direita e aguardava enquanto virávamos à esquerda. Éramos somente dez alunos na sala.
Entre diversas conversações eu e o Adão resolvemos que um dia iríamos virar à direita. Queríamos porque queríamos ver os quartos das noviças. Pensávamos em camas de cimento, grades nas janelas e, não sei de onde tiramos isto, obrigadas a dormir nuas. Este era o maior incentivo à aventura. Ver as noviças nuas ou trocando de roupa (que bobagem!, é claro que elas trocariam de roupa com a porta do quarto fechada). Elas eram jovens, risonhas e sempre estavam a cuidar da horta, na parte alta do Colégio, acima das quadras. Tinham entre três a quatro anos mais que nós (eu e o Adão tínhamos 14 anos à época). Algumas eram muito bonitas e a roupa de noviça dava um toque especial, o vestido longo azul e o véu branco. Sabíamos que era expressamente proibido para os alunos transitarem nos corredores do andar superior do prédio do Colégio. Nós, alunos do ISI só passávamos por ali com o aval da Irmã C. Eu e o Adão ficamos maquinando como fazer para virar à direita e não à esquerda sem chamar a atenção da Irmã C. Ele disse:
- Ficamos um pouco para trás e viramos.
- Não dá, Adão. Somos poucos e a Irmã C. perceberá no ato.
Idéias e mais idéias depois eu disse:
- Na quinta-feira, no horário anterior você vai para o banheiro. Eu vou indo com a turma e a Irmã C., mas “esqueço” o material de datilografia. Volto para buscar, você sai do banheiro e vamos. Não pode os dois “esquecer” o material, senão ela desconfia.
O horário de datilografia era o segundo (8:00 h mais ou menos). Na quinta-feira, sem receio, pouco antes de 8:00 h o Adão pediu licença para ir ao banheiro e não voltou mais. A professora do primeiro horário nos deixou e logo depois a Irmã C. veio nos buscar. Já estávamos fora do prédio do ISI, atravessando o grande pátio quando eu disse que tinha esquecido o material. Voltei meio que correndo. O Adão já estava saindo do banheiro. Pegamos o material e fomos. Como imaginei, a Irmã C. não nos esperou e no final do corredor o caminho estava livre à direita. Por ali entramos, observando atentamente os dormitórios das noviças. Não vimos nada demais. A maioria delas já estava fora dos quartos. Uma ou outra ainda estava ajustando o véu, nos fitavam com espanto, mas não tinham, ainda, a autoridade das superioras para nos inquirir. Eram quartos simples, com uma cama, um pequeno criado mudo, crucifixo na parede, um outro pequeno móvel, tipo cômoda. Algumas cruzaram conosco sorrindo. Decepcionados, eu e o Adão já nos preparávamos para dar meia-volta quando demos de cara com uma Irmã. Ela não trabalhava no ISI e não conhecia nossa fama (ainda bem!). Vendo nossos uniformes do ISI, perguntou o que fazíamos ali e eu e o Adão, agora com medo, gaguejamos:
- E e e ele, nós... a aula.
- Pro pro curando a a a Irmã C. – eu disse.
Ela não entendeu porque estávamos procurando a Irmã C. As Irmãs que não trabalhavam no ISI não tinham um bom conhecimento dos hábitos estudantis dos surdos. Ela falou devagar, com calma, tranquila diante do nosso nervosismo:
- O que vocês querem com a Irmã C.? Aconteceu alguma coisa?
- A a a a aula de geografia – disse o Adão, supernervoso.
- Datilografia! – eu corrigi. – É que ficamos para trás e erramos o caminho. Deve ser pro outro lado.
Ela disse com uma tranquilidade na voz e na alma (não escutei nada, claro, mas os surdos “sentem” quando uma pessoa está falando com a voz calma):
- Ah, sim, as máquinas de escrever estão do outro lado do corredor. Vocês viraram à direita ao invés de virar à esquerda.
Como se a gente não soubesse!!
Ela era muito bonita. Tinha um ar tranquilo e um sorriso que realmente acalmava. Ela passou o braço no meu ombro e no do Adão e nos conduziu para fora da área dos dormitórios das noviças. Por um instante até pensei que ela estava só esperando sair de perto das noviças para nos pegar pela gola da camisa e nos conduzir meio que suspensos no ar, até a sala da Madre Superiora ou da Irmã A., a Diretora do ISI. A Irmã A. era realmente brava. Todos tinham medo dela. Mas, esta Irmã simplesmente nos conduziu até próximo à sala de datilografia. Sua mão direita apoiava-se carinhosamente no meu ombro. Era algo muito reconfortante. E ela não entrou na sala de aula da Irmã C. Não informou à Irmã C. que estávamos em área proibida.
Aliviados eu e o Adão adentramos a sala. A Irmã C. nos encarou, surpresa:
- Nossa, vocês demoraram!
- O Adão quer fazer cópias em mimeógrafo e fomos pedir ao Professor O. um stencil. – eu já estava mais seguro e menti descaradamente. Por sorte, eu tinha um stencil comigo. (Obs.: futuramente abro um post explicando para os mais jovens, que nem têm idéia do que seja mimeógrafo ou stencil.)
A aula transcorreu normalmente. Não ocorreu nada no restante do dia, embora o Adão duvidasse que a Irmã do sorriso lindo não fosse nos entregar para a Irmã A.
- Não vimos nada de cama de cimento, elas têm cama normal, com colchão e tudo e estavam todas vestidas. – disse o Adão.
- Aposto que não dormem peladas coisa nenhuma.
- Passamos aquele sufoco todo para nada, Jairo.
- Vai ver que é porque elas são noviças e ali não é clausura, é quarto. Vai ver que essas coisas é só com as Irmãs, não com as noviças.
- Onde será que fica o dormitório das Irmãs?

A arte de fazer arte - III

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A arte de fazer arte - I

Minha sala no Instituto Santa Inês ainda tinha resquícios da época em que o ensino para os surdos era focalizado na oralização. As carteiras ainda tinham os fones de ouvido (enormes, iguais aos de radialistas) guardados em seu interior e no exterior os diversos comandos de som, volume e microfone. Inclusive, numa sala do segundo andar o equipamento estava conservado. Uma vez tivemos uma aula de português lá, com a professora colocando uma música para “ouvirmos” e depois interpretarmos o texto. Afora o Adão, que ouvia acima da média, os demais não gostaram da aula. A professora fez uma pesquisa para verficiar se gostaríamos de repetir a aula lá e a resposta foi “não”, com um único “sim”, do Adão, claro. Eu ainda expliquei que tudo que ouvia era um “bzzzzz, bzzzzz” na cabeça e mais incomodava que ajudava.
Na nossa sala, o equipamento não funcionava mais e só servia para eu e o Adão fazermos nossas brincadeiras, ora “narrando um jogo pela rádio” ou falando um para o outro, com os enormes fones nos ouvidos, e perguntando entre gargalhadas:
- Tá escutando?
Ou:
- Vamos ouvir a música do Roberto Carlos, Amada Amante, em homenagem ao meu amigo Adão. – e mexia nos comandos na mesa e começava a cantar a música (que eu já ouvi e conheço).
O Adão, que tinha perda auditiva baixa, ouvia o suficiente para comprrender muita coisa. Ele ouvia, inclusive, rádio (surdos que “ouvem” a tv têm a ajuda das imagens e fazem a leitura labial para acompanhar)
- E para o Jairo vai a música, também de Roberto Carlos, Meu Pequeno Cachoeiro. – isto porque eu vivia falando de Formiga. Ele me zoava com essa música cantando Formiga ao invés de Cachoeiro.
Na hora do recreio eu eo Adão ficávamos na sala brincando com o equipamento. Dois colegas de outras séries, Carlos e Wilton, descobriram nossa brincadeira, e ficavam a nos observar. O Wilton ficou curioso e quis saber o que era na verdade todo aquele equipamento. Naquela época eu não sabia muito bem e expliquei da aula no segundo andar. O Wilton então tentou ligar um dos fones na mesa do professor, que também tinha os equipamentos e um microfone. Eu e o Adão rimos e eu disse:
- Você não está vendo que toda a fiação está cortada?
- Sei. Mas, de onde ela vem?
- Da caixinha aí na parede.
Ele foi para a caixinha, paramentado com o enorme fone de ouvido e tentou encaixar o cabo de entrada do fone em algum lugar.
Eu ri:
- Mas você quer ouvir o que, ô, Wilton? Não tem nada produzindo som e ninguém falando em microfones.
O Adão avacalha:
- Ele espera ouvir os sinais extraterrestres.
Estávamos às gargalhadas quando o Wilton resolve mexer na fiação. O estouro que ocorreu quase derruba eu e o Adão das cadeiras, assustados. O Carlos pulou para fora da sala apontando para o Wilton e fazendo top top top. Eu, o Adão e o Wilton também saímos correndo da sala para o corredor. Quatro surdos correndo de barulho.
Quase no final do corredor, da sala da Diretoria, já saía uma Irmã, assustada, em nossa direção.
- Jairo e Adão, o que vocês estão aprontando agora?
Como sempre, sobrava para nós. Mas o Adão respondeu:
- Nós não fizemos nada. Quem estava mexendo na fiação era o Wilton.
Todos olhamos para o Wilton e rimos:
- Tira esse fone dos ouvidos, cara! Viu o que dá mexer em fiação antiga!
Com a Irmã à frente, voltamos para a sala. Não havia fogo, nem cheiro de queimado. A Irmã começou a xingar eu e o Adão.
- Vocês ficam brincando com os aparelhos e...
- Ah, não, Irmã. Foi o Wilton que mexeu na caixa na parede. Porque a fiação das carteiras não tem ligação com nada, os fios estão cortados. – não precisava ser um gênio da eletricidade para ver e saber disso.
Ela concordou, mas tempos depois as carteiras com aparelhagem foram retiradas da nossa sala.

A arte de fazer arte - II

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Santos Dumont, um brasileiro

14 Bis, o primeiro avião mais pesado que o ar
O Google homenageou ontem um dos mais famosos brasileiros: Santos Dumont, o Pai da Aviação.
Praticamente todos conhecem a história deste brasileiro (mineiro, também). Mas, vale a pena ressaltar alguns dados:
- O fascínio de Santos Dumont por máquinas o levou a adquirir um automóvel e a promover e participar de corridas em Paris.
- Ele ganhou diversos prêmios (em dinheiro) por vôos realizados e seu costume era distribuir os valores entre seus operários e os pobres de Paris.
- Ele não patenteava suas invenções e seus projetos foram aperfeiçoados por outros.

E mais:
- Ficou muito amargurado quando aeroplanos foram utilizados na Primeira Grande Guerra Mundial.
- Anos depois, apelou à Liga das Nações para que impedisse a utilização de aviões como armas de guerra.
- Ele se manifestou diversas vezes que sua invenção foi doada à humanidade para fins pacíficos. Jamais aceitou que sua invenção fosse utilizada para fins bélicos.
- Ele se suicidou pouco depois que soube que aviões foram utilizados na Revolução Constitucionalista de 1932. Tinha 59 anos.