quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Madrugada de verão

A novela global Sol de Verão retratava um surdo (infelizmente, nas sinopses identificado como surdo-mudo) e foi a primeira vez que um surdo fazia parte do núcleo principal, interpretado por ator do primeiro escalão (Tony Ramos). Como eu não acompanhei a novela, não tenho muita informação sobre o personagem, um jovem de 20 a 25 anos. Na época não existia ainda o closed caption, as legendas ocultas que hoje possibilita aos surdos acompanhar diversos programas da tv. Lembro que o personagem fez bastante sucesso, tanto que a criançada e os jovens (principalmente as jovens, público principal de novelas, à época) aprenderam o alfabeto manual. Era muito comum eu chegar a alguma festa, ser apresentado pelos amigos e após a informação de que eu era surdo, as garotas escreverem “eu te amo”. Eu sabia que era influência da novela, aproveitava para incentivar a garota a escrever outras coisas, perguntando nome, escola, bairro. A novela considerava o personagem surdo-mudo, mesmo que sua deficiência derivasse de fato idêntico à minha: teve meningite e a sequela o deixou surdo aos 8 anos (eu, aos 13). Eu não sabia deste fato e só bem mais tarde, com o advento da internet, li a sinopse da novela. Aliás, o personagem aprende a falar, quase no final da novela, com uma fonoaudióloga. Bom, aos 8 anos a linguagem já está formada e, portanto, a sequela da meningite o deixaria surdo, mas não mudo. Erros novelísticos à parte, foi interessante a divulgação da língua de sinais e, principalmente, do alfabeto manual dos surdos.

Em um fim de semana, eu estava com os amigos e no sábado fomos a uma festa no Bairro das Indústrias. Lembro que, ao chegar à festa, o aniversariante me abraça efusivamente:
- Que bom tê-lo aqui conosco. Eu estava perguntando ao Tiago se você ia aparecer.
- Aproveitando o feriado e sua festa.
- Tem um vinho geladinho para você. – ele riu – Lembro que você e o Álvaro esvaziaram sozinhos, um garrafão de vinho.
Conversa daqui e dali, o Tiago me apresenta uma morena muito bonita.
- Essa é a Helena.
- Oi, tudo bem? – ela pergunta.
Antes que eu possa responder, pois eu entendi a pergunta, o Tiago esclarece:
- Ele é surdo.
Ela ri e escreve com o alfabeto manual:
- Oi, tudo bem?
- Tudo bem, e você? – respondo, falando normalmente. – Não entendi o seu nome direito.
Mentira; era para forçá-la a escrever o nome com o alfabeto.
- Helena. – ela escreveu corretamente e me fitou desconfiada – Mas, você fala normal. Você é surdo mesmo ou o Tiago está fazendo hora com minha cara? – ela falou, não muito devagar, mas o movimento labial dela era bom, possibilitando minha compreensão.
- Eu sou surdo mesmo, não é brincadeira. Além do Tiago, o Álvaro e o Jonas, o aniversariante, podem confirmar.
Surge um jovem com cara de poucos amigos, puxa a menina e diz:
- Vamos, Helena.
Mas, ela não o segue, responde alguma coisa (ficou de costas para mim, não sei o que disse), mas sua resposta não agrada ao jovem. Ele me encara, mas eu sustento seu olhar. Ele dá meia volta, enquanto a garota se vira para mim e diz:
- Você bebe alguma coisa? – usando o alfabeto.
- O que você for beber.
Ela gritou com outra menina, que nos trouxe cerveja.
- Quem é o rapaz que te chamou? -  perguntei, curioso.
- Meu namorado. – ela riu. – Mas, não tem nada a ver. Converso com quem eu quiser. Onde você mora, Jairo? – ela perguntou, mudando de assunto.
- Em Belo Horizonte.
- Eu pensei que você era aqui do Bairro das Indústrias.
- Trabalho numa gráfica em Contagem, perto da Cidade Industrial, mas moro em Belo Horizonte. – expliquei.
Percebi que o namorado da jovem me fitava de longe. Continuei conversando com a Helena por um longo tempo, bebendo cerveja, com uma ou outra jovem surgindo e se interessando pela utilização do alfabeto manual.
Algumas horas mais tarde surge o Álvaro, apreensivo:
- Vem cá, amigo. – me leva para um canto da casa. – Que maluquice a sua, ficar encantando a namorada do Serjão.
- Sei lá quem é Serjão, Álvaro.
- É o namorado da bonitona que você está de conversa a festa inteira. Vamos sair de fininho, que é melhor.
- Por que?
- O Tiago ouviu rumores de que uma confusão está a caminho. O Serjão mandou um amigo buscar reforços...
Comecei a rir:
- Tá de brincadeira? Reforços?
- É porque o Serjão me conhece e sabe que sou seu amigo e do Thiago e sozinho ele não vai encarar nós três. Mas, com os brutamontes amigos dele, a coisa fica feia. Você conhece o Hulk.
O tal Hulk eu conhecia justamente devido a uma confusão no bar perto da gráfica.
Percebemos a movimentação do Serjão e de alguns desconhecidos que chegavam. Já tinha um grupo de cinco pessoas junto a ele. Provavelmente só estavam esperando o Hulk para começar a baderna.
- Tudo bem, vamos. – eu disse, sabendo que seria catastrófico eu insistir em ficar na festa.
Fomos em direção à cozinha, como quem vai pegar mais cerveja, puxamos o Tiago e explicamos a situação. Um dos amigos do Serjão nos seguiu. Resolvemos sair pela porta dos fundos.
- Nem despedi da menina... – eu reclamei.
- Sem essa. Se voltarmos lá dentro e o Hulk já estiver lá, não teremos outra chance...
Saímos pela porta dos fundos, pegamos a rua e caminhamos rapidamente. O Tiago alertou:
- Um dos amigos do Serjão nos viu saindo. Vamos rápido.
- Calma, calma. Sem correr... – disse o Álvaro, porque ele tinha bebido muito e reclamou novamente comigo – Você tinha que se engraçar justo com a namorada do Serjão?
- Pombas, não fui eu não. Ela que gostou de conversar comigo, pois estava achando interessante usar o alfabeto manual.
O Tiago olha para trás:
- Caramba... A turma do Serjão já está vindo atrás da gente. São uns 7 caras...
- Não olhe mais, não. Estão correndo ou andando?
- Andando a passos rápidos...
- Continuemos andando a passos rápidos também e assim que virarmos a esquina, corremos.
Eu me preocupei:
- A rua após a esquina é muito longa e eles nos verão quando virarem a rua também. Temos que nos separar.
- Um para a direita, outro pra esquerda e outro reto. – disse o Álvaro – O que seguir reto servirá de isca, portanto vai ser o Tiago, que é o mais novo e o mais veloz.
Assim que viramos a esquina disparamos em desabalada carreira. Entrei na ruazinha à direita, correndo o mais que podia, entrei num beco entre as casas e ali fiquei, quieto. Para mim é péssimo esconder sozinho. Não ouvindo nada, se os nossos perseguidores se aproximassem, eu não saberia. Por isso fiquei imóvel, tenso, procurando regularizar a respiração. Não me arriscava, de forma alguma, a verificar se o caminho já estava livre. Fiquei quieto por uma boa meia hora. Pensava em verificar a situação, mas temi que os perseguidores estivessem parados na esquina. Eles também poderiam ter visto nossa manobra e também se separado. Onde eu estava era escuro, mas havia um poste de luz mais à frente. Alguém entra no beco e eu quase morro de susto.
- Vamos! – era o Álvaro.
- Como você me achou?
- Eu vi você virando nesta rua. Vim olhando os cantos escuros e dei com esse beco. Eu me escondi na outra rua e ouvi os caras passarem correndo.
Íamos voltando para a rua principal, mas eu disse:
- Vamos dar a volta.
- Tudo bem, mas eu ouvi o Serjão falando com os amigos dele que “nós” já estávamos perto da Igreja lá em baixo. Ele não sabia que era só o Tiago.
Fomos contornando as ruas em torno da área da Igreja. Nosso ponto de encontro era um boteco que conhecíamos. Encontramos o Tiago no boteco e conversamos e rimos sobre todo o sufoco que passamos.
- Tudo porque você resolve ganhar justamente a namorada do Serjão.
- Já disse que não fui eu, Álvaro! A menina gostou de conversar comigo. Tudo culpa da novela! – eu ri – E agora?
- Amanhã isso já é passado. Sem turma, o Serjão não vai mexer com a gente. A não ser que você queira mesmo roubar a namorada dele.
- Foi só uma coisa de momento! Vocês dois deveriam assistir a novela para ver o sucesso que o surdo está fazendo.
- Que surdo?
- O Tony Ramos!!
Rimos alegremente.
A madrugada já era tranquila.


sábado, 9 de novembro de 2013

Música em silêncio

Não tive a oportunidade de ouvir a Nona Sinfonia de Beethoven. Mas, mesmo que somente vendo as imagens da propaganda abaixo, é emocionante.


Beethoven teve problemas auditivos com 26 anos de idade. Para um músico, a perda da audição é um duro baque. Não foi diferente para ele, entrou em depressão e pensou em suicidar-se. Ele procurou médico, utilizou cornetas acústicas e mudou de ares. Mas, nada disso resolveu. Escreveu:
"Devo viver como um exilado. Se me acerco de um grupo, sinto-me preso de uma pungente angústia, pelo receio que descubram meu triste estado. E assim vivi este meio ano em que passei no campo. Mas que humilhação quando ao meu lado alguém percebia o som longínquo de uma flauta e eu nada ouvia! Ou escutava o canto de um pastor e eu nada escutava!"

Beethoven não perdeu a audição completamente. Ouvia o suficiente para continuar compondo. Mas, quando compôs a Nona Sinfonia, a surdez estava bastante avançada e ele teve muita dificuldade para terminá-la. A sinfonia incorpora parte do poema Ode à Alegria:
"Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até à morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!"

Beethoven tentou reger uma ópera, mas a surdez fazia com que perdesse o acompanhamento correto. Quando da estréia da apresentação da Nona Sinfonia, ele tentou regê-la, mas o estado avançado de sua surdez era um problema. Ele regeu a orquestra, porém, os músicos prestaram atenção somente no outro maestro que dividiu o palco com Beethoven, para que tudo corresse da melhor forma possível.
Ao final, o público aplaudiu de pé e sabendo que o compositor não mais ouvia, agitaram lenços e chapéus (o sinal de aplauso para os surdos são os braços agitados ao alto).

Leia mais clicando AQUI e AQUI

sábado, 2 de novembro de 2013

Flagrantes de BH

O Natal está chegando...





A loja Estrada Real (R. Caetés) sempre monta umas vitrines bacanas.