quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Brincadeiras da infância

O garrafão não era uma brincadeira muito infantil, devido à sua agressividade. Também era uma brincadeira exclusivamene masculina (pelo menos no meu tempo). Era uma forma subjacente de alguns colegas que não se davam bem, terem a oportunidade de atingir o outro sem brigar. Na hora do recreio, alguém trazia um giz e desenhava um garrafão no chão. A turma toda ficava dentro e o pegador fora. Marcávamos o pique, onde o penalizado deveria tocar para livrar-se do linchamento. O pique, na maioria das vezes, era longe do garrafão. O pegador só podia entrar pela boca da garrafa. Os participantes podiam sair pelas laterais, mas neste caso, enquanto o pegador não saísse do garrafão, era obrigado a ficar pulando num pé só. Se o pegador tocasse um dos participantes (eu, por exemplo) berrava: "lincha o Jairo!". O pegador também podia denunciar: "O Jairo pisou na linha (do garrafão)! Lincha o Jairo!". Era o momento de maior tensão do jogo, pois o penalizado tinha que correr até o pique. Só que os demais participantes faziam o linchamento, sem dó nem piedade. Eram tapas fortíssimos nas costas até conseguir tocar o pique. A minha vantagem era a velocidade. Como eu era bastante veloz, chegava até o pique sem levar muitos tapas. Meu primo não era veloz, mas "driblava" os que o perseguiam com facilidade. Eu não linchava somente duas pessoas, um amigo boa praça e o meu primo. Mas, como eu disse antes, esta brincadeira permitia atingir desafetos sem partir para uma briga. Nos meus dois últimos anos ainda ouvindo, na Escola Normal, tive muitas desavenças com dois irmãos, que eram filhos do delegado e gostavam de azucrinar os colegas. Como eu os confrontava, eles viviam tentando provocar brigas comigo. Mas, apesar de não temê-los, não era bobo de sair na pancada com filhos de delegado. O garrafão era a válvula de escape para nossas desavenças. Na maioria das vezes quase todos esperavam o penalizado passar e lhe enchiam um tapa nas costas. Mas, quando se tratava deles, eu fazia questão de acompanhá-los (correndo junto) até o pique, claro, castigando as costas com tapas fortíssimos. É claro que quando eu era o penalizado, eles também faziam a mesma coisa e minha única vantagem era realmente a velocidade, pois eram dois contra um.
Hoje vejo que a molecada usa bullying, uma forma muito mais prejudicial para resolver desavenças. Conseguem afetar a vida de um colega com terror psicológico ou físico. Conseguem até mesmo afastar colegas da escola.
Nunca houve brigas por causa dos "linchamentos", pois todos participavam cientes das regras do jogo.

Mais ou menos três meses depois que fiquei surdo, passeando com minha mãe no centro da cidade (Formiga), os filhos do delegado pararam e conversaram comigo, melhor dizendo, com minha mãe, pois eu ainda não conseguia fazer leitura labial e tinha muita dificuldade de entender até mesmo meus familiares. Mas, foi legal eles terem parado e conversado comigo. As desavenças ficaram no garrafão da hora do recreio. Eles se interessaram em saber o que houve comigo, como eu estava e se voltaria a estudar com eles. Minha mãe tinha esperanças de que sim e disse que "Deus há de ajudar e ele volta a estudar antes do fim do ano". Mas, para a Escola Normal de Formiga eu nunca mais voltei.

2 comentários:

  1. Parabens brow. Grande abraco. Brinquei muito e queria fazer essa brincadeira com as criancas do bairro. Hoje estou com 40 anos. Um grande abraço e obrigado por recordar as regras do garrafão. Vlwww

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  2. Kk muito top eu gosto muito

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