terça-feira, 11 de novembro de 2014

As diferentes Identidades Surdas, assunto sempre atual

Este texto foi publicado originalmente em 2010, mas é bastante atual em vista do aumento da inclusão da comunidade surda em programas da sociedade brasileira, como o Enem, Faculdades e Cursos Técnicos.

O que une a maioria dos surdos não é a surdez e sim sua identidade surda. São diversas identidades diferentes, grupos de surdos diferentes. Os estudiosos da cultura surda citam diversas identidades de surdos, não somente as mais comuns, que são o surdo e o surdo oralizado.
Importante ressaltar que surdo oralizado não é o surdo como eu, que fala normal, é 100% surdo e sim o surdo que nasceu surdo e aprendeu a falar (e a ler nos lábios) através do oralismo, sem ter contato com a língua de sinais (Libras).

Para entender o que é oralismo
(Clique AQUI)
São diversas identidades surdas, sendo a mais comum a Identidade Surda, a Identidade Surda Híbrida e a Identidade Surda de Transição. Em sua maioria, os surdos têm comunidades distintas, principalmente os surdos oralizados e os surdos que usam Libras.

Para um melhor entendimento do que são as Identidades Surdas clique no link para ler sobre As Identidades Surdas (Identidades Surdas (Gladis Perlin)).

O triste em relação às diversidades dos surdos é que alguns não aceitam outros surdos. Alguns surdos oralizados não aceitam surdos que usam a Libras. E alguns surdos que usam Libras não aceitam alguns oralizados. Eu convivo bem com todas estas identidades surdas. Minha identidade surda é a Híbrida, surdos que nascem ouvintes e posteriormente, por motivo de doença ou acidentes se tornam surdos (no meu caso, por causa de meningite aos 12 anos e meio). Esta é a identidade que mais pacificamente convive com todas as outras. E que também são chamados erroneamente de surdos oralizados, porque falam, leem os lábios e escrevem normalmente em português.
Os surdos oralizados, da Identidade Surda de Transição nem sempre passam do mundo auditivo para o visual. São surdos que se orgulham de seguir todos os princípios dos ouvintes e que utilizam o máximo de tecnologia que possam torná-los ouvintes (IC (implante coclear), AASI (aparelho auditivo)) e rejeitam a Libras.
É importante ressaltar que em todas as identidades há exceções. Conheço surdos oralizados que não utilizam Libras, mas que convivem em harmonia com surdos que utilizam. E conheço diversos surdos da Identidade Híbrida que detestam Libras e não aceitam este método de comunicação. Porém, os textos não vêm com um "a maioria" e eu não vou ficar retificando que nem todos os surdos de uma identidade são estritamente como especificados.
Entre tantas polêmicas há ainda sobre a denominação deficiente auditivo e surdo. Os surdos da Identidade Surda preferem ser chamados de surdos. Eu sou indiferente a isto, para mim, tanto faz surdo como deficiente auditivo. Não considero deficiente auditivo um termo pejorativo. Cientificamente eu sou surdo e alguns colegas meus, surdos que usam Libras, são na verdade, deficientes auditivos, porque eles têm algum grau de audição e eu não. Eu acho que este tipo de discussão não acrescenta nada à cultura surda. A denominação não é o que interessa. Ser chamado de surdo ou deficiente auditivo não vai modificar nada no meu viver. Como eu disse, há exceções para todos os casos. Se há oralizados intransigentes com a Libras, também há surdos que ironizam os surdos que utilizam a expressão deficiente auditivo. Tanto que criaram as iniciais DA, forma zombeteira para Deficiente Auditivo.

Eu já fiz palestras no Dia dos Surdos e utilizei a expressão deficiente auditivo. Apesar de que, em Libras eu utilizei o sinal de surdo. Eu falo e faço os sinais ao mesmo tempo. Qual não foi minha surpresa quando no outro dia um colega surdo me cumprimentou rindo:
- "Você DA" - em Libras, o sinal de "você" e as letras DA, usando o alfabeto manual.
Não entendi de primeira, devido ao contexto da frase em português "Você da" e perguntei o que? Ele repetiu, e percebendo que eu não estava entendendo escreveu o significado de DA, "Você Deficiente Auditivo". O riso era de deboche. Mas, é o que ocorre com a comunidade surda. Como eu sou surdo e falo normal, como eu falo português e Libras fluentemente, fui convidado para a palestra e ele não. O que ele faz? Procura desmerecer minha participação nas festividades do Dia do Surdo porque ele me conhecia e sabia que eu falava muito deficiente auditivo e não surdo (eu uso as duas expressões sem traumas). Apesar de ficar muito chateado com a ironia, respondi sorrindo:
- Eu surdo profundo. Escuto nada, nada. Zero. Eu DA não. Você escuta pouquinho? Você DA. - em Libras e nem precisa da tradução em português porque dá para entender.
Apesar de estar sorrindo, meu olhar era sério e ele percebeu. É uma característica muito boa de nós surdos, a capacidade de interpretar as expressões faciais. Ele riu descontraidamente e fez o sinal de "brincadeira".
Mas, são estes pequenos entreveros entre surdos que tornam a comunidade surda uma das mais desunidas. Minha palestra foi pela inclusão dos surdos no trabalho, nas escolas e nas faculdades (na época desta palestra (2004), ainda não era tão comum como hoje). Também falei da necessidade de intérpretes de Libras profissionais em órgãos públicos, hospitais, consultórios. E o que o meu colega surdo vem questionar comigo? Eu ter falado (embora em Libras eu tenha feito o sinal de "surdo") algumas vezes "deficiente auditivo".
Os surdos oralizados, infelizmente, em sua maioria não aceitam a Libras e não aceitam os surdos que se expressam mal em português. Consideram a Libras um retrocesso, um estereótipo do surdo ignorante. Têm um preconceito muito grande em relação aos surdos não oralizados. Esquecem que nem todos tiveram a oportunidade deles, a estrutura familiar e as condições para aprenderem o oralismo. Ora, um surdo pobre, com pais que mal sabem ler e escrever, dificilmente terá oportunidade de aprender português corretamente e de praticar oralismo. A influência familiar para o aprendizado do português e oralismo é muito importante. Porque é ali, desde a infância que o surdo oralizado vai aprender a escrever corretamente, principalmente com a mãe corrigindo todas as vezes que ele escrever ou pronunciar uma palavra errada.
Esta questão se reflete também nos textos. Um surdo oralizado, um surdo como eu (híbrido), tem preferência por traduções em texto e não Libras. Se for uma entrevista, um filme, novela ou jornal, o texto é muito mais prático que a Libras. Mas, diferentemente dos surdos oralizados, numa palestra em auditório eu solicito o serviço de um intérprete. O oralizado não; ele prefere ler diretamente nos lábios do palestrante ou solicitar um intérprete orofacial. Há diferenças também em relação ao intérprete. Eu prefiro o intérprete que fala ao mesmo tempo em que traduz em Libras. Porque eu vou complementando com uma e outra língua. O que não pego em Libras, leio nos lábios do intérprete e vice-versa.
Quando digo que a comunidade surda é a mais desunida, dou como exemplo eleições de deficientes. São eleitos, com votos maciços de sua própria comunidade, cegos e cadeirantes, mas não temos surdos eleitos (aqui em Belo Horizonte).
Muitas vezes, em discussões pela net, eu e alguns outros surdos tentamos apaziguar os ânimos exaltados dos que apoiam e dos que odeiam Libras. Sempre repetimos que "somos todos surdos, irmanados na mesma deficiência! Não tem porque ficarmos nos agredindo!".
Esta sim, deve ser a luta dos surdos, paz e união entre todas as diversas Identidades Surdas.

O que torna as diferentes identidades surdas desunidas é tão somente a barreira da comunicação. A mesma que muitas vezes exclui os surdos (quase todos)  da convivência harmoniosa com os ouvintes. Um surdo oralizado e um surdo que só entende Libras não conseguem vencer a barreira da comunicação. Normalmente, um se irrita com o outro.
Turma da Mônica com
histórias inclusivas
Este problema não se aplica às demais deficiências. Há diferenças entre os cegos, os cadeirantes, os deficientes físicos, deficientes mentais, etc. Cegos que utilizam braile e cegos que, sabem braile, mas preferem ouvir o texto. Todos os demais deficientes têm um grau de deficiência, da mesma forma que os surdos. Mas, a comunicação entre eles é facilitada, não há barreiras. A desunião dos surdos envolve muitos problemas e a impaciência é um dos maiores. Surdos oralizados que tentam conversar com surdos que só utilizam Libras se irritam, quando não entendem e não são entendidos. O oralizado ainda tenta escrever, mas o surdo que só usa Libras não entende o português formal. É muito complicado. Surdos oralizados lutam mais por melhorias em seu viver, solicitando legendas, textos, avisos visuais ou luminosos. Os surdos que não têm interesse nestes quesitos lutam por escolas não inclusivas, por intérpretes de Libras em todos os ambientes, por benefícios governamentais mais abrangentes. Devido justamente às características e causas da surdez, um grupo de surdos luta pela inclusão da legenda em todos os programas televisivos e outro grupo luta pela exibição do intérprete de Libras. Eu concordo com ambas as lutas. É, realmente, uma característica muito positiva da Identidade Surda Híbrida. A capacidade de conviver bem com todas as outras identidades. Minha convivência com todos os diferentes tipos de surdos proporcionou conhecimento suficiente para respeitar e colaborar com todos. Colaborar com a luta dos grupos de surdos, suas diferenças. Fico em desacordo com algumas ideias, principalmente as que procuram excluir os próprios surdos, só porque suas identidades (e costumes) são bastante diferentes, mas, na maior parte, incentivo todas lutas.
Como eu já disse, a maior luta é pela paz e união entre todas as diversas Identidades Surdas.



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Eu e as religiões - Final

Levítico 19:14
Com 21/22 anos, parava diante do antigo Cine Art Palácio, na R. Curitiba, aqui em BH, onde os amigos surdos se encontravam. Na década de 80, a Associação dos Surdos ficava ali, algumas salas do lado direito. Atualmente o cine não existe mais. O local é uma grande loja.
Ali eu ficava conversando com os amigos surdos, às vezes combinando ir jogar bola, ir tomar uma cerveja em algum bar próximo ou simplesmente conversar fiado. Quase todos os dias uma garota parava um pouco distante e ficava nos observando. Um dia eu mostrei ao Márcio a garota nos fitando e ele, avacalhado como era, foi até ela e "disse" com sinais:
- Aquele rapaz lá quer falar com você. - e apontou para mim.
Sem esperar resposta, gesticulou "vem, vem", conduzindo a garota.
Ela nos espantou, porque sabia a língua de sinais:
- Eu sou de uma igreja pentecostal. Acho interessante como vocês conversam.
Luciane se tornou presença constante ali junto a nós, surdos. Mas, foi comigo que ela debateu longamente sobre religião. Como ela citava muitos livros bíblicos e um dia citou Levítico várias vezes, fiquei curioso. À noite chegava em casa e e ia ler a Bíblia, em especial Levítico. Ali estava a base da condenação que ainda hoje se faz às imagens (Lv. 26:1). Quando ela citou o livro novamente, tivemos um longo debate:
- Luciane, esse livro é complexo, uma vez que fala de decretos e ordenanças. Ao pé da letra podemos comprar escravos, negociá-los, vendê-los ou deixá-los como herança aos filhos. Você concorda com estas passagens também?
- Era uma coisa aceitável na época em que o livro foi escrito. Hoje a escravidão é inaceitável.
- Você está concordando, então, que muita coisa da Bíblia não é mais aceitável nos dias de hoje. Mas, que naquela época Deus concordava com a escravidão.
- Mas, em relação às imagens, isso não mudou.
- E em relação ao olho por olho, dente por dente? - está em Lv 24:20 - Se matar, terá que ser morto. Se deixar alguém com alguma deficiência, receberá como pena a mesma deficiência.
Ela não respondeu e eu continuei:
- Tanta coisa mudou, este livro está cheio de ordenanças que não podem mais ser praticadas.
- Mas, muita coisa deve ser considerada.
- E quais? A impureza da mulher devido à sua menstruação? Você se considera impura diante de Deus quando está menstruando?
Ela ficou muito vermelha com a pergunta.
Tive receio que ela ficasse com raiva e mudei para uma coisa mais leve:
- Há diversas passagens deste livro que fala sobre sacrifícios de animais. Dependendo do seu pecado, você mata um carneiro e estará perdoado.
- Como eu já disse, nos dias de hoje, isso não é  mais aceito.
- Tem um capítulo que diz quais animais os homens podem comer, os peixes e até os insetos. Por isso repito, nem tudo que está na Bíblia assim deve ser feito.
- A maioria das coisas estão corretas e devemos seguir sim, o que a Bíblia diz.
- Há uma condenação geral ao sexo. Se um homem cometer adultério deverá pagar com a vida.
- Também os homossexuais.
- Mas, você não percebe que há uma falha grave aí, Luciane?
- Porque?
- Deus condena os homossexuais: o homem que dormir com outro homem, deixando claro que ambos deverão ser mortos. Mas, não fala nada de uma mulher dormir com outra mulher.
- Ficou subentendido que mulheres também não poderiam dormir com mulheres.
- Mas, se o livro é tão detalhista sobre como fazer os sacrifícios, sobre os pecados de se dormir com mãe, irmãs, tias, etc, cita um por um, até os animais, não especificar o homossexualismo também para as mulheres? Literalmente consta que ""Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte." - Lv 20:13. - Mas, não há uma linha sequer sobre o homossexualismo feminino. Então, seria aceito?
Ela preferiu não polemizar mais:
- Vou conversar com meu Pastor. Não sei te responder sobre isso.

Como ela estava desconfortável com o rumo que a conversa tomou, citei algo curioso, que consta do Levítico:
- Neste livro também há uma ordenança para que não xinguem os surdos, nem façam os cegos tropeçarem. - em Lv 19:14 - Acredito então que, naqueles tempos, os surdos deviam ser muito amaldiçoados.
Ela riu muito disso. E reconheceu que não conhecia esta passagem.
- Não sabia disso, não. - e compreendeu, claro, que eu deveria ter lido o livro em quase toda sua totalidade - Jairo, você leu o livro recentemente?
- Sim, andei dando uma olhada. Fiquei curioso, pois em muitas discussões com crentes, eles citam este livro.
- E como você está lembrando de tantas passagens?
- Eu tenho uma memória excelente. - disse, rindo  - Em relação a essa parte, tenho muitos conhecidos que serão lançados ao inferno, porque o que os ouvintes mais gostam é de xingar um surdo aos gritos. O que tenho de conhecidos que adoram berrar comigo um "ô, viado!", não está no gibi.

Carrilhão
A Fundição de Formiga ficava no fim da Rua 13 de Maio e eu tinha muito medo do local. Havia toda uma lógica de informações contraditórias na cabecinha da criança com 7 anos. Eu ia à missa, sentava nos primeiros bancos da Igreja Matriz, gostava daquela luzinha vermelha no altar e acompanhava com atenção o coroinha, nos momentos em que ele ajudava o Padre e, principalmente quando ele tocava os sinos (carrilhão). Sou surdo, mas minha memória auditiva lembra até hoje como eram interessantes aqueles momentos, devido à magia dos sons do carrilhão.
Ouvia o Padre Clemente com sua voz trovejante, esbravejar:
- Os pecadores queimarão no fogo do inferno. Não haverá salvação para suas almas. - e discorria a falar dos sofrimentos das almas no inferno.
Eu encolhia no banco, os olhos arregalados, imaginando ser queimado pelo fogo do inferno.
Numa época de calor extenuante, minha mãe comenta com minha madrinha:
- Aquele rapaz que passou trabalha lá na Fundição?
Imagem de fundição
- Sim, é o filho da Dona C.
- Nossa Senhora, aquilo lá é um inferno!
Um inferno devido ao calor, claro, mas eu associei a fundição ao inferno, literalmente. Porque quando passava diante da fundição era possível ver as altas labaredas, o chiar do ferro sendo fundido, algumas explosões, o fogo alto e a luminosidade intensa. Ali era o inferno mesmo! A casa do capeta, igualzinho o Padre Clemente falava. Os enterros passavam em direção ao Cemitério do Santíssimo Sacramento (direção contrária à da Fundição) e eu acreditava que os mortos estavam indo para o céu e não para o inferno.
Todas as vezes que eu passava diante da Fundição mudava de passeio, pelo canto dos olhos fitava assustado todo aquele fogaréu e se ocorria alguma explosão de vapor, eu saía em desabalada carreira.


quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Eu e a religião II

A Irmã G., era séria demais, não me lembro dela sorrindo. Fazia parte do Corpo Diretor do Instituto, o que afastava ainda mais o seu convívio com os alunos. Adentrava a sala com passadas firmes, postava-se diante da mesa dos professores e como um padre celebrando missa, ordenava:
- Levantem-se... - entrelaçava as mãos pouco abaixo do queixo, fechava os olhos e iniciava a oração - Pai Nosso, que estais no céu...
Era estranho que ela rezasse e não se preocupasse com os colegas que não faziam leitura labial e não falavam. 
Terminada a oração, abria o livro de História na página já demarcada e mandava a gente ler:
- Leiam o capítulo e façam os exercícios correspondentes.
E só. Ela nunca explicava nada. Nunca deu uma verdadeira aula de história. Sequer escrevia alguma coisa no quadro. Nunca perguntava se entendemos, se tínhamos alguma dúvida. Se queríamos algum esclarecimento. Permitia que fizéssemos as provas com o auxílio do livro de História. Permitia que eu e o Adão ajudássemos os colegas que não sabiam as respostas. Durante a aula ela ficava lendo um outro livro qualquer, algumas vezes um livro de orações.
A aula de História era essa lerdeza, até que um dia...
- Leiam o capítulo XV e façam os exercícios de 1 a 20.
Era um capítulo que falava de Martinho Lutero, da Reforma Protestante. De como ele divergiu da Igreja Católica, acabando por criar a Igreja Protestante ou Luterana. Eu já estava terminando de ler a maior parte do texto quando a Doralice foi até a Irmã G. com o livro de História aberto. Apontou para uma ilustração de Martinho Lutero e perguntou:
- Quem é ele?
- Ele foi um homem muito ruim! Ele dividiu a Igreja Católica. Ele brigou com o Papa e foi excomungado.  - respondeu a Irmã G., fazendo o sinal de negativo repetidas vezes.
Mas, eu já tinha lido o texto e compreendido algumas partes. E acreditei que, enfim, teríamos aula de verdade.
- Mas, Irmã, Lutero estava certo em não concordar com as indulgências. Um absurdo que a Igreja Católica vendesse um papel dizendo que os pecados estavam perdoados.
Eu não percebi o olhar da Irmã G. e continuei:
- Lutero estava certo ao afirmar que a salvação é pela fé em Jesus Cristo e que Deus nos oferece essa salvação gratuitamente. Discordo que ele não valorize as boas ações. Mas, ele estava certo em ser contra a venda de indulgências e...
- Jairo! - a face da Irmã G. estava rubra.
A sensação foi de que "escutei" o grito da Irmã. Mal conseguia encará-la nos olhos.
O Adão, que sempre me satirizava quando um professor me chamava a atenção, dessa vez estava caladinho, tão assustado quanto eu.
- Termine o seu dever em silêncio.
Martinho Lutero
Nunca mais questionei a Irmã G. Na verdade, se fosse uma boa professora, teria argumentos fortíssimos para contrariar o meu entusiasmo com Lutero. Apesar de grande parte das propostas de Martinho Lutero serem positivas, ele não deseja a divisão da Igreja, somente a reforma. Foi contra a rebelião, foi contra, inclusive, como a insurreição modificou as missas. Sim, ele deu motivos para a divisão, mas não era a favor. E era antissemita, escreveu que a Alemanha deveria ficar livre dos judeus, expulsá-los, despojá-los de dinheiro, jóias, prata e ouro. Ora, isto é justamente o que fizeram os nazistas. A Igreja Luterana não concorda com todos os escritos de Martinho Lutero, principalmente os que ele escreveu sobre os judeus. A Irmã G. poderia ter esclarecido muita coisa naquele momento. Eu era um adolescente, sobre antissemitismo sequer tinha ideia do que fosse.

Só muitos anos depois, já com a idade mais avançada e estudando na E.E. José Bonifácio, com intérprete em sala de aula e excelentes professores, vim a debater novamente sobre História; e a religião na história. O Professor E., professor de História com quem tive bons debates relacionados à matéria.
- A Igreja Católica foi muito importante na formação da sociedade como a vemos hoje.
- O senhor realmente acredita nisso, Professor?
- Porque não, Jairo?
- As fogueiras da Inquisição, as Cruzadas, a Reforma Protestante... matou-se muito em nome de Deus.
- Com o tempo a sociedade passou a separar Religião de Estado. A maioria dos países vive sob regime de estado laico.
Mais informalmente, eu perguntei:
- O senhor acredita que Deus deixou o povo passar por tudo isso para melhorar o mundo?
- Não, Jairo! Dou os créditos para a Igreja Católica e seu papel na História. Mas, eu sou ateu.
Nem a intérprete entendeu, mas eu e o Professor E. gargalhamos muito.

Domingo era dia de descanso. Depois virou dia de visita dos evangélicos. Quando morei em Contagem, o prédio não tinha portaria, o que permitia que entrassem e tocassem a campainha de todos os apartamentos. Minha esposa levantava irritada e abria a porta para as senhoras bem vestidas. Elas começavam a falar e ela não tinha como interrompê-las. Acabava recebendo os folhetos e livretos da igreja, prometendo que iria participar de algum culto, proximamente. Voltava para a cama irritada, não conseguia dormir novamente. Lá se ia a manhã de domingo para um sono mais prolongado.
Um domingo, tocam a campainha e ela vai atender. Pelo olho mágico percebe logo que são outras senhoras evangélicas. Com a insistência (sim, elas não desistem, apertam a campainha até alguém vir atender), minha esposa não tem dúvidas: me acorda e manda eu atender a porta. Eu, quase sempre acordo cedo e portanto, já estava meio acordado.
- Mas, o que... - pergunto.
- As donas evangélicas estão batendo a campainha. Você vai lá e conversa com elas...
- Eu???
- É, é, é... anda, vai logo.
Atendo as senhoras evangélicas, com seus folhetos e convites para culto. Uma delas inicia a palestra de sempre, mas eu a interrompo:
- Sinto muito, senhora, mas eu sou surdo.
Um pequeno momento de silêncio entre todas, mas elas não desistem:
- Você não gostaria de participar de um culto - pergunta uma delas, mostrando o endereço no folheto - na nossa igreja?
- Não, não...
- Ora, você deve receber Jesus em seu coração e...
Eu a interrompo, levantando a mão, num sinal de espere:
- Senhora, sou católico e estou feliz com minha religião. Não pretendo mudar de religião. Não pretendo participar de culto de nenhuma Igreja. - as senhoras ficam mudas e sem graça - Tenham um bom domingo.
Minha esposa, que escutou a conversa do outro lado da porta, riu muito.
E em todos os lugares que moramos, todas as vezes que ela percebia que quem tocava a campainha eram evangélicos, ela dizia, rindo:
- Vá lá falar que você não que participar de culto ....

Certa vez, passando diante de uma igreja evangélica, a moça na porta começa a falar comigo e eu esclareço:
- Desculpe, moça, mas eu sou completamente surdo.
- Tudo bem! - ela falou um pouco mais devagar - Você não quer entrar e conhecer a nossa igreja?
- Ah, não dá não, moça. Eu estou indo para um terreiro de candomblé.
Eu falei brincando, mas a expressão horrorizada da moça, que recuou dois passos, eu nunca esqueci.

Um réveillon eu e alguns colegas surdos fomos em uma igreja evangélica, em um bairro afastado de BH. Fomos por causa de uma amiga ouvinte de um dos colegas, que queria ser intérprete. Eu estava com 22/23 anos. Éramos quatro surdos. Rimos quando percebemos que havia um líquido vermelho numa mesa ao fundo, com alguns salgadinhos. Ficamos nos perguntando se era vinho. O culto foi rápido (Aleluia! Glória a Deus!) e a amiga do nosso colega conversou bastante conosco. O "vinho" era suco de groselha. Horrível. Sem açúcar. O Pastor se aproximou, curioso e mais curioso ainda ficou quando percebeu que eu falava normalmente e que entendia de preceitos religiosos. Os outros colegas estavam concordando em mudar de religião, mas eu não.
- Ora, a Igreja Católica tem o meu maior respeito, - disse o Pastor - mas comete um grande erro com sua adoração aos santos
Falou por alguns minutos, citando passagens bíblicas, com boa argumentação.
Eu disse:
- Eu considero errado adoração a santos, mas em sua maioria, os católicos compreendem muito bem que as imagens apenas representam pessoas que demonstraram uma fé incrível em Jesus e por isso a Igreja Católico considera estas pessoas, os santos, como especiais.
- Mas, a salvação só se dá através do Senhor Jesus.
- Nenhum católico nega isso. Todos sabem que a salvação não se dará crendo em santos e sim, crendo em Jesus. Os santos são exemplos de vida que devemos imitar. O Sr. pode não considerar São Francisco de Assis um santo, mas há de concordar que o amor que ele tinha pelos animais e o seu despojamento da riqueza em favor dos pobres é sim, um exemplo de vida.
A intérprete traduzia a conversação com entusiasmo e chegou a sorrir, ouvindo minha argumentação.
- Numa conversa sem atributos religiosos, Sr. Pastor, o senhor concordaria que Francisco de Assis foi um exemplo admirável de um coração bastante próximo de Jesus?
O Pastor me fitou sorrindo:
- Sim, mas eu não o adoraria.
- Nem eu o adoro, Pastor. Apenas admiro o que ele fez em vida.
O Pastor me abraçou, sorrindo e disse:
- Jairo, você não gostaria mesmo de participar de minha igreja?
- Não, Sr. Pastor. Mas, não vou esquecer a acolhida carinhosa que eu e meus amigos tivemos. Também não vou esquecer o respeito com que o Sr. me tratou.
E acrescentei:
- O senhor não acha que é justamente Jesus que nos une neste momento tão descontraído, independente da igreja que seguimos?

Tenho o maior respeito por todas as religiões. Acredito que, não importa qual religião; todas procuram levá-lo para Deus.

- x.x.x.x.x.x.x.x.x.-

Eu e as religiões III

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Eu e a religião I

Minha religião é a católica. Fui batizado, fiz Catecismo e Primeira Comunhão. Ia à missa todo domingo, quando pequeno, na missa das 8 horas, que era a Missa das Crianças. Mais tarde, na Missa dos Jovens, aos sábados. Depois que fiquei surdo, continuei frequentando a Igreja, indo às missas, participando de Grupo Jovem. Mas, quando houve a grande repercussão dos casos de pedofilia, e o pouco combate a esse problema, eu me distanciei da Igreja.

Cortador de hóstias manual
Estava fazendo Catecismo e foi interessante quando uma Irmã de Caridade, do Colégio Santa Terezinha, nos levou até o colégio e nos mostrou como eram feitas as hóstias. Ela nos mostrou a massa de pão, praticamente farinha de trigo e água, sem qualquer outro ingrediente. E como eram recortadas manualmente, com um cortador de metal, de formato circular. Ela colocou uma massa já pronta na mesa e nos deixou recortar algumas hóstias. E nos entregou para experimentar. E um dos colegas, assustado:
- Mas, eu ainda não confessei!!! - já se denunciando como um pequeno pecador.
A Irmã sorriu e explicou:
- Estas hóstias ainda não foram consagradas, então, elas são somente pão mesmo.

Igreja Matriz de S. Vicente Férrer
Formiga - MG
Quando as missas eram mais concorridas (Natal, Páscoa, etc), a Igreja Matriz abria também as portas de acesso ao segundo pavimento. Com os amigos, era mais interessante assistir à missa do segundo pavimento. Muitas vezes, ao término da missa, eu e os amigos Tonho e Emílio explorávamos algumas salas ali do alto. Como a iluminação era fraca, com as antigas lâmpadas incandescentes de poucos volts, era um pouco assustador. Lembro que uma vez passávamos por um corredor escuro e havia luz por entre as frestas de uma porta trancada. Olhamos pela pequena abertura da porta e como fui o último, eles riram do meu susto. Havia uma imagem de um Santo ou Papa, não sei qual, sentado em um trono postado de frente para a porta. Havia um amontoado de outras imagens mais atrás, mas quem olhava pela fresta fixava justamente esta imagem, a expressão e o olhar muito sérios.
- Dizem que um dia ele piscou - disse meu amigo Emílio.
Eu e o Tonho rimos:
- E quem garantiu isso? A própria pessoa que olhou?
Nunca soube que santo era aquele.

Antigamente eram chamados apenas de Missionários os hoje Pastores, que se consideram milagrosos. De um a dois anos depois que fiquei surdo, muitos Missionários passaram por Formiga. Os Missionários faziam propaganda maciça do evento que realizariam na cidade, prometendo curas milagrosas. Eu estava com 15 anos quando mais um Missionário anunciava sua presença na cidade. O Tonho insistia:
- Vamos lá? Ele diz que cura muita coisa, doenças, paralíticos, cegos.
- Não. - em debates anteriores, eu já tinha dito ao meu amigo que não duvidava da minha fé, mas que também não concordava, nem acreditava nestes missionários.
- Mas, o que que tem? Você não vai perder nada se for.
Eu respeitava sobremaneira os princípios católicos e não concordava com o método dos missionários. Conversei com minha mãe; ela não polemizou, sabia como eu pensava (ouvia as minhas conversas com o Tonho sem interferir) e só quando eu perguntei o que ela achava, ela se pronunciou:
- Você que sabe. Vão lá para vocês verem como é...
E assim eu e o Tonho fomos. O Missionário estava em um salão alugado, pouco depois da Praça Ferreira Pires. Assistimos ao evento, muitas orações e pedidos de ajuda. O Tonho conversava comigo utilizando o alfabeto dos surdos (datilologia). Ele escrevia as frases com uma rapidez incrível. Ele traduziu quase todo o evento desta forma. Ao final o Missionário disse que quem quisesse poderia se aproximar para um contato mais pessoal. O Tonho me leva até o Missionário. O Missionário já tinha "derrubado" umas cinco pessoas à minha frente. Chega minha vez e o Tonho relata brevemente o meu caso:
- Ele ficou surdo tem dois anos.
- Você acredita em Deus? - o Missionário me pergunta e o Tonho escreve rapidamente a pergunta.
- Sim. - eu respondo.
O Missionário manda que eu feche os olhos e reze com toda fé (o Tonho traduz). No que eu fecho os olhos o Missionário põe a mão espalmada na minha cabeça e começa a me empurrar para trás. Eu me apoio na perna direita, mantendo o corpo firme. O Tonho também estava me segurando. Eu era um garoto ainda, bem mais baixo que o Missionário. Naquele embate; o Missionário me empurrando e eu fazendo força contra, mal consegui rezar alguma coisa. Instantes depois o Missionário solta minha cabeça bruscamente e, como eu estava fazendo força contrária, quase trombo com ele. O Tonho me segurou.
O olhar do meu amigo era uma expressão pura de "e aí?".
- Vamos embora! - eu disse, simplesmente.
Nunca esqueci a decepção do meu amigo Tonho, visível no seu olhar triste. Ele tinha mais esperanças do que eu de que eu voltaria a ouvir. Eu, no entanto, não tinha sido abalado no meu bom humor:
- O Missionário queria me derrubar à força! Ele ficou me empurrando...
- Mas, você quase caiu foi em cima dele.
- Claro, ele me empurrava para trás e eu fazia força para a frente.

No Instituto Santa Inês, o ambiente religioso contava com as freiras professoras (uma que ministrava aula de Datilografia e outra de História) e com um padre, que dava aula de Ensino Religioso. A Irmã C., a cruzeirense que nos ensinava Datilografia era uma freira sorridente, feliz com o que fazia, nunca a vi brava, nem mesmo quando fazíamos alguma arte (eu e meu colega Adão, principalmente). Ela chamava a atenção com um sorriso nos lábios e terminava a frase da mesma maneira que outras tantas freiras do ISI:
- Mas, vocês dois são muito difíceis...

O Padre J.M. era tranquilo. Fumava (na época, o cigarro ainda não era tão combatido como hoje) e ria quando eu pedia um cigarro:
- Nada de fumar, Jairo. Você ainda está muito novo. - estudei no ISI dos 14 aos 16 anos - Quando fizer 18, você resolve.
Em uma aula ele estava andando para um lado e outro enquanto falava e toda hora tropeçava na mesa ao canto, que tinha aparelhagem para áudio (estragada). Todas as mesas eram fixas no chão. No terceiro tropeção, o Padre J.M. resolveu tirar a mesa dali. E começava a fazer um esforço descomunal para empurrar a mesa para o canto.
Eu e o Adão rindo a não poder mais.
- Do que vocês estão rindo? - pergunta o Padre J.M., meio sério e tenta empurrar a mesa novamente.
Rimos mais ainda. Nossa colega mais velha levanta-se, recriminando nós dois.
- Faz assim não, meninos. - e apontando para os pés da mesa presa ao chão, fala para o Padre - Aí, Padre. A mesa tem parafusos.
- Ah, pregada!
A expressão que o Padre fez só conseguiu arrancar mais gargalhadas.
Ele também riu e nos apontou com a famosa frase:
- Vocês dois são muito difíceis...

(continua)
Eu e a religião II


sexta-feira, 26 de setembro de 2014

26 de setembro - Dia do Surdo

Este é um resumo da História dos Surdos.

No Egito, os Surdos eram adorados, como se fossem deuses, serviam de mediadores entre os deuses e os Faraós, sendo temidos e respeitados pela população.
Na época do povo Hebreu, na Lei Hebraica, aparecem pela primeira vez, referências aos Surdos.
Na Grécia, os Surdos eram encarados como seres incompetentes. Aristóteles, ensinava que os que nasciam surdos, por não possuírem uma língua, não eram capazes de raciocinar. 
Os Romanos, influenciados pelo povo grego, tinham ideias semelhantes acerca dos Surdos, vendo-os como seres imperfeitos.
Era comum lançarem as crianças surdas (especialmente as pobres) ao rio Tibre, para serem cuidados pelas Ninfas.
Os cristãos, até à Idade Média, criam que os Surdos, diferentemente dos ouvintes, não possuíam uma alma imortal, uma vez que eram incapazes de proferir os sacramentos.
John Beverley, em 700 d.C., ensinou um Surdo a falar, pela primeira vez (em que há registo). Por essa razão, ele foi considerado por muitos como o primeiro educador de Surdos.
Foi na Idade Moderna que se distinguiu, pela primeira vez, surdez de mudez. A expressão surdo-mudo, deixou de ser a designação do Surdo.
Pedro Ponce de León, um monge católico da ordem dos beneditinos, inicia, mundialmente, a história dos Surdos, tal como a conhecemos hoje em dia. Além de fundar uma escola para Surdos, em Madrid, ele dedicou grande parte da sua vida a ensinar os filhos Surdos, de pessoas nobres.
John Bulwer, médico inglês, acreditava que a língua gestual deveria possuir um lugar de destaque, na educação para os Surdos; foi o primeiro a desenvolver um método para comunicar com os Surdos. Publicou vários livros, que realçam o uso de gestos.
Charles Michel de L'Épée, nascido em 1712, ensinava, numa primeira fase, os Surdos, por motivos religiosos. Muitos o consideram criador da língua gestual.
Os seus principais contributos foram: criação do Instituto Nacional de Surdos-Mudos, em Paris (primeira escola de Surdos do mundo); reconhecimento do Surdo como ser humano, por reconhecer a sua língua; entre outros.
Antes do Congresso, na Europa, durante o século XVIII, surgiam duas tendências distintas na educação dos surdos: o gestualismo (ou método francês) e o oralismo (ou método alemão). A grande maioria dos surdos defendia o gestualismo enquanto que apenas os ouvintes apoiavam o oralismo - por exemplo Bell, nos EUA, fazia campanha a favor deste método, entre muitos outros professores, médicos, etc.
O Congresso de Milão, em 1880, foi um momento obscuro na História dos surdos, uma vez que que lá um grupo de ouvintes, tomou a decisão de excluir a língua gestual do ensino de surdos, substituindo-a pelo oralismo (o comitê do congresso era unicamente constituído por ouvintes.). Em consequência disso, o oralismo foi a técnica preferida na educação dos surdos durante fins do século XIX e grande parte do século XX.
Uma década depois do Congresso de Milão, acreditava-se que o ensino da língua gestual quase tinha desaparecido das escolas em toda a Europa, e o oralismo espalhava-se para outros continentes.
Em 1898 surge o primeiro aparelho auditivo. Em 1948 surgem os aparelhos com pilhas. Em 1953 começa a ser usado o transistor em próteses.
Em 1970 aparecem as primeiras tentativas de implantação coclear. No entanto, a comunidade surda, como um todo, é contra a implantação coclear em crianças surdas, antes da aquisição da língua.
No início da Segunda Guerra Mundial, na Alemanha, os surdos começaram a perder os seus direitos. Com a guerra em curso passaram a ser mortos. Em 1941, era comum o uso de eutanásia nos hospitais, onde eram mortos bebés com deficiência, incluindo surdos.

Com o reconhecimento de que eram capazes, os surdos lutaram e ampliaram suas conquistas.
O Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, foi criado pela Lei n° 939, de 26 de setembro de 1857.
A Libras foi oficializada no Brasil em 24 de abril de 2002 pela Lei Federal 10436, no Governo Fernando Henrique Cardoso.
Lei nº 11.796, de  29 de outubro de 2008 institui o Dia Nacional dos Surdos, no Governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Lei nº 13.005, de 25.6.2014, aprova o Plano Nacional de Educação que inclui a Escola Bilíngue para Surdos, no Governo Dilma Rousself.

Parabéns, surdos!

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Surdos e a pronúncia de algumas palavras

Sou cem por cento surdo e falo normal. Mas, como eu não nasci surdo e só vim a perder a audição com 12 anos e meio, minha dicção é perfeita. Às vezes, falo muito baixo, ou muito alto. Justamente devido a não ter controle da tonalidade da voz é que, por instinto, comumente falo baixo, com receio de estar falando muito alto. Pronuncio errado, na maioria das vezes, as palavras em inglês, que fazem parte do cotidiano brasileiro, como playcenter, shopping, diet, design, iphone, etc.
Quando trabalhei, como terceirizado e junto com outros surdos, na gráfica da Empresa de Processamento de Dados de BH, os colegas se espantavam, porque eu não escutava nada, falava bem e um dos surdos, o Alexandre, ouvia parcialmente, mas não pronunciava as palavras corretamente.
Devido à minha curiosidade sobre tudo, uma das colegas me levou à sala de revelação das chapas de fotolito, me explicando o procedimento:
- A chapa é gravada através de fotolito. Depois, aqui no laboratório, utilizamos revelador, fixador e água... - ela então apontou para um balcão com diversos frascos e com um aviso logo acima. - Leia para mim...
- Fixador. - eu disse, pronunciando corretamente.
- O Alexandre fala "fichador" - ela riu.
Mais tarde, conversando com os outros colegas, ela me indagou:
- Porque você pronuncia a palavra corretamente e o Alexandre não?
- Por que eu já ouvi normalmente. Minha memória auditiva não se perdeu. O Alexandre, embora escute em uma porcentagem alta, não é capaz de diferenciar estes sons.
- Por isso que eu já corrigi ele algumas vezes, mas ele continua pronunciando errado.
- Para ele você é que está errada, pois não há um "quissá" na palavra "fixador".
Rimos bastante. Foi um dos momentos em que o pessoal que trabalhava com os surdos soube entender as enormes diferenças entre todos nós.
- E o Claudinei, ele é totalmente mudo. E por que obedece você e o Alexandre em tudo?
- O nível cultural dele é extremamente baixo. Como eu e o Alexandre vivemos nos dois ambientes, surdos e ouvintes, ele considera isto uma espécie de "autoridade", principalmente porque ele nos vê dialogando sem sinais. Já os outros surdos, que conversam com vocês também, mas usam sinais ou escrevendo, são considerados no mesmo nível dele.
- Se vocês dois mandarem ele fazer alguma coisa errada, ele fará? - perguntou um dos colegas, sério.
Eu ri:
- Pôxa, que pergunta!! Ele tem discernimento do que é certo e errado, mas dependendo do que mandarmos ele fazer, ele fará sim.
- Por exemplo??
- Se eu mandar ele pegar dinheiro na bolsa de uma das moças, ele não fará isso. Mas, se eu falar que ele deve levar um balde de água para a sala do chefe ou levar todo o serviço na mesa do Jorge para a expedição, ele fará.
- Está brincando? - perguntou o Jorge.
- Não. Ele acreditará justamente porque eu estou aqui conversando com vocês.
O Jorge estava com um arzinho de dúvida e eu fui lá, falei com o Claudinei para pegar todos os formulários na mesa e levar para a sala do chefe. Outro colega surdo já estava falando, com sinais que o serviço "ainda não está pronto", mas eu fiz um sinal de "espera" e ele riu. O Claudinei já estava para pegar os formulários, mas eu o impedi e disse que "não era para levar hoje, não".
- Perceberam que o Elisson não concordou com o que eu falei, mas o Claudinei, sim? - disse - É uma questão mesmo de nível cultural. O Claudinei é muito inocente.

Nos anos em que estudei junto com os surdos na Escola Estadual José Bonifácio, uma das ouvintes da sala me perguntou, curioso:
- Jairo, o que é "tachi"?
- Não tenho idéia. De onde você tirou essa palavra?
- A Dani sempre diz, quando vai embora, que vai pegar "tachi".
No mesmo instante entendi o que era:
- Ela quer dizer que vai pegar um táxi.
- Mas, táxi e "tachi" são palavras muito diferentes.
- Na verdade, não. O problema está somente na pronuncia do "xi".
Discorri sobre o porquê de eu pronunciar corretamente e a Dani não. De como temos dificuldades com palavras de outras línguas e de que o português é muito complicado para os surdos, devido justamente à necessidade de se ouvir para pronunciar corretamente as palavras.
Hoje, há um grande incentivo para que os surdos falem. Não importa se vão pronunciar razoavelmente o som correto das palavras. Já ocorreu campanhas insistindo para que o "mudo" de "surdo-mudo" seja definitivamente excluído. Os surdos, mesmo os que nascem com surdez profunda, não são mudos. Só não recebem estímulo suficiente para falar.


sábado, 23 de agosto de 2014

Inclusão e candidatos

Os candidatos políticos precisam se ater ao respeito das diversas deficiências, principalmente em campanha. As dicas postadas pelo xará, Jairo Marques, no blog que ele mantem no portal da Folha de SP, são bastante úteis, tanto para os candidatos, quanto para os que precisam aprender a lidar com os deficientes.

Clique AQUI para acessar a página.

A demanda de necessidades dos deficientes hoje se concentra na acessibilidade. Até poucos anos atrás, quando não havia ainda a reserva de vagas para deficientes (havia, mas a lei não era respeitada), a busca de trabalho era estafante. A lei é antiga (1991), mas começou a ser realmente aplicada a partir do ano 2000. Com a fiscalização rigorosa pelo cumprimento da Lei nº 8.213, de 1991, as empresas passaram a contratar deficientes, inclusive, procurando os deficientes e não somente ofertando as vagas. Hoje, as empresas reclamam da escassez de mão de obra de profissionais deficientes. 

O Art. 93, da Lei 8.213, que trata desta reserva de vagas para deficientes:


São muitas as empresas que mantêm em seus sites a informação em destaque para o deficiente cadastrar o seu currículo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Acabou a Copa; vou lembrar das copas - III

A Copa de 2006 também foi um desastre só. Muitos comparam a de 2006 com a de 2014, quando a Rede Globo tinha total liberdade para filmar o que quisesse. Os jogadores estavam se sentindo muito mais estrelas da tv do que uma equipe que representava o país. Avançou com facilidade no início, enfrentando seleções mais fracas. O futebol não empolgava e quando teve que enfrentar uma seleção de gabarito, perdeu de 1x0 para a França. O time foi muito criticado por essa partida, em que jogou muito mal.
Em 2010 o legal foi ver o Dunga, como técnico, peitar a Rede Globo. Ele não queria que voltasse o circo de 2006, com a Rede Globo mantendo repórter dentro do ônibus da seleção. Dunga, apesar de muito contestado, ganhou a Copa América, a Copa das Confederações e vitórias sobre a Argentina deixaram muitos torcedores satisfeitos. Na Copa do Mundo, infelizmente, a Holanda que o Brasil sempre batia, venceu por 2x1, nos eliminando. Foi neste ano que conheci os primeiros torcedores contra a seleção. Alguns, simplesmente seguiam a Rede Globo, que promoveu uma campanha maciça contra o treinador (ela não aceitou que Dunga barrasse seus profissionais, nem que não permitisse repórteres na concentração) e diziam preferir ver a seleção perder. Quando ele perdeu para a Holanda e deu adeus à seleção logo depois, a Rede Globo conseguiu até mesmo que a CBF promovesse um desagravo a um dos seus repórteres que Dunga destratou. Os jogadores deram uma camisa autografada para o repórter global. O técnico era o Mano Menezes, pior do que o Dunga, pois jamais conseguiu dar um padrão de jogo à seleção brasileira.
Enfim, chegamos à Copa do Mundo de 2014, realizada aqui no Brasil, com jogos aqui pertinho, no Mineirão. Infelizmente, não pude assistir nenhum jogo no estádio, mas fiquei muito satisfeito de ver a copa sendo realizada no meu país. Era legal transitar pela Afonso Pena e diante do Othon Palace e do Financial Hotel, perceber os estrangeiros, com as camisas de suas seleções, Argélia, Argentina, Inglaterra, Bélgica. A parte mais triste de toda a copa foi a campanha... contra a copa. Absurdo, não é mesmo? Brasileiros brandando "não vai ter copa" e quebrando tudo que encontravam pela frente. A campanha envolveu política e mídia contra a copa. E muito, muito pessimismo com o nosso país. Para a mídia a população brasileira era formada de selvagens, o país não tinha estrutura e a organização, um fiasco. Tinha gente com medo de torcer para o Brasil. Tinha gente torcendo contra o Brasil. Comemorando gol contra o Brasil. Mas, a maior parte da população apoiou a seleção e mostrou a verdadeira cara do povo brasileiro. Acompanhei os jogos com os amigos surdos, cada jogo na casa de um. Muita vibração até a semifinal. E se eu fiquei triste com a vergonhosa derrota para a Alemanha, fiquei ainda mais triste quando minha esposa me contou que havia pessoas cantando e comemorando a derrota do Brasil, soltando foguetes.

A população brasileira, o país em si, foram um show à parte. Com todo o pessimismo que a mídia destilava antes, era quase impossível acreditar que alguma coisa daria certo. No fim, a própria mídia teve que se render aos encantados estrangeiros com o nosso Brasil.

Reportagem do site do jornal Estado de Minas. Tem um vídeo muito legal no final, com lindas imagens de Belo Horizonte. Para ler a reportagem basta clicar AQUI.


E algumas coisas muito interessantes...
Para ler a reportagem basta clicar AQUI.


Agora é 2018, na Rússia.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Acabou a Copa; vou lembrar das copas - II

A Copa de 1986 trouxe de volta Telê Santana como técnico e, praticamente, o time de 1982. Eu lembro do jogo contra a França, eu estava em Formiga e assisti o jogo na casa do meu primo, com amigos do meu primo e os tios. No tempo normal, quando o jogo estava 1x1, houve pênalti a favor do Brasil . Foi com enorme tristeza que vimos Zico decidir cobrar, ele que havia entrado poucos minutos antes (estava em recuperação de lesão) e errar. O jogo seguiu empatado no tempo normal e na prorrogação. Na decisão por pênaltis, infelizmente, Sócrates errou e Júlio César (zagueiro), bateu forte, no canto, mas a bola acertou a trave. Era o fim. Condenamos Zico pela insistência em bater o pênalti; que ele estava frio, que ele ainda não estava cem por cento; que ele deveria ter deixado outro bater. Foi muito ruim esta seleção e a de 1982, não ter conseguido chegar às finais. Eram grandes times.
Em 1990 tínhamos uma seleção sem apoio, criticada por todos, devido ao péssimo treinador. Fomos eliminados pela Argentina, na única jogada que Maradona conseguiu fazer (ele estava muito bem marcado) e o passe para Canniggia resultou em gol (golaço, por sinal). A seleção jogou razoavelmente bem, mandou bolas na trave e teve uma cabeçada de Muller (na rede, pelo lado de fora) que eu saí feito doido gritando gol, gol, gol... A tv era preto e branco e por isso não percebi direito que foi para fora. Lembro de minha esposa reclamando: "você está doido? Não foi gol, não!!". Foi a negativa Era Dunga da seleção (ele era volante da seleção). Mas, convém lembrar uma coisa: por pior que o time fosse, por mais contestado que o técnico fosse, quando a Copa começou estávamos todos torcendo para o Brasil ser campeão. Este negócio de torcer contra o Brasil não fazia parte da cultura brasileira. A torcida era a favor, mesmo que o time fosse péssimo.
Enfim, 1994 possibilitou a comemoração do tetracampeonato. Dunga estava lá, de novo, capitão. E o Brasil chegou à final contra a Itália (também tricampeã). A disputa acabou sendo nos temíveis pênaltis. Taffarel defenderia uma cobrança. E os italianos chutariam duas para fora. O resultado final foi 3x2 nos pênaltis. E conquistamos a tão almejada taça. Eu estava em Formiga. Lembro que fomos para a Praça da Rodoviária, onde se realizou uma festa comemorativa. Lembro que eu disse para meu cunhado que "faltou o gol no tempo normal". O gol de Branco, nos 3x2 contra a Holanda, foi um dos que mais comemoramos. Também os gols da dupla Bebeto/Romário. Na final, estávamos na casa da minha tia novamente. Meu tio Adelino, que quatro anos antes assistiu os pênaltis, dessa vez preferiu se retirar para o alpendre da casa a cada cobrança dos brasileiros. A cada vibração nossa dos gols marcados e dos chutes para fora da Itália, ele entrava e via os replays. Até o grito final de campeão, foi assim, o entra e sai do meu tio. Foi a última copa que assisti em Formiga.



1998 foi terrível, porque perdemos justamente a final. Assisti os jogos na casa dos familiares de minha esposa. O campeonato foi realizado nos moldes atuais, 32 seleções, somente o primeiro e segundo colocados de cada grupo avançavam para o mata-mata. O Brasil avançou mesmo com uma derrota para a Noruega. A Holanda estava ali novamente, nas seminfinais. E o Brasil venceu nos pênaltis. A final foi o desastre de 3x0, com o Brasil não conseguindo apresentar um bom futebol. Ronaldo Fenômeno teve uma convulsão antes da final e até hoje este caso não está bem esclarecido, pois ele jogou fora das condições ideais.
Em 2002, com a Copa sendo realizada no Japão e Coréia do Sul, os jogos eram transmitidos de madrugada. Mesmo assim, grande parte dos brasileiros acompanharam as partidas pela tv (a audiência da Rede Globo, transmissora do evento, foi alta). Colocava o despertador para o horário dos jogos. Lembro dos meus meninos acordados, assistindo comigo o jogo do Brasil x Inglaterra, que foi às 3:30 h da madrugada. O golaço "sem querer" do Ronaldinho Gaúcho. A final ocorreu às 8:00 da manhã de domingo, possibilitando assistir tranquilamente o Brasil vencer a Alemanha por 2x0. Essa sim, foi uma final com gols, com o Brasil mostrando que tinha futebol de campeão mesmo.



E só de assistir o vídeo com os melhores momentos a gente vibra novamente. Foi um grande jogo.

(continua)

terça-feira, 29 de julho de 2014

Acabou a Copa; vou lembrar das copas - I

Minha mãe só torcia mesmo para o time do Formiga e Seleção Brasileira. Era atleticana mas, devido à família dividida entre atleticanos e cruzeirenses, torcia ora para o Atlético, ora para o Cruzeiro, dependendo do jogo. Em clássicos, não torcia para nenhum mesmo. Mas, como gostava da seleção (sem contar o time do Formiga) eu a ouvia cantar "a taça do mundo é nossa, com brasileiro, não há quem possa..." Era ainda a época do rádio. Em 1970, eu ouvia constantemente (também no rádio) a música "70 milhões em ação, prá frente Brasil, do meu coração...", São as únicas músicas que eu ouvi e ainda canto, relacionadas à seleção brasileira e Copa do Mundo.
A primeira copa de que tive real conhecimento foi a de 1970. Devido à grande propaganda da ditadura militar, à época. Eu era criança ainda, 9 para 10 anos, e o interesse por futebol era jogar e brincar. Tanto que, no jogo da final, eu estava na casa do meu primo e meus tios estavam torcendo com os gols que o Brasil fazia contra a Itália. Minha tia chamou para que assistíssemos o jogo, mas éramos crianças demais para dar valor ao momento histórico. Eu e meu primo assistimos um pouquinho do jogo e no intervalo fomos fazer a nossa copa do mundo com futebol de botão. Bons tempos. Saudades dessa inocência, quando a copa que eu e meu primo jogávamos com futebol de botão, lentes de relógio, goleiros de caixa de fósforos e paletas, era muito mais importante que uma final de copa do mundo envolvendo o Brasil.
Alguns anos depois eu já estava surdo, devido à meningite e dei adeus às músicas envolvendo seleção brasileira e copa do mundo. Mas, o gosto por futebol aumentou. Tomei conhecimento do futebol da seleção de 70, dos craques, Pelé, Tostão, Gerson, Jairzinho, que veio jogar no Cruzeiro em 1975 e conquistou a Libertadores em 1976. Já como torcedor mesmo, de conhecer o time do goleiro ao camisa 11 (a numeração era metódica naqueles tempos). Eu e meu colega, Adão, fomos na Câmara Municipal pegar um poster da seleção brasileira, com o então vereador Wilson Piazza. Éramos garotos inocentes demais, torcedores do Cruzeiro, e sequer pensamos em pedir autógrafo do vereador/jogador no verso do poster. Lembro que guardei o poster por muitos e muitos anos. Lia tudo sobre aquela seleção, os jogadores, os jogos. Com a popularização da tv foi possível assistir os gols de Pelé & Cia. O poster sumiu entre as tantas mudanças que fiz, solteiro/casado, de Formiga para Belo Horizonte e aqui em BH, de bairro para bairro.
Em 1974 acompanhei diversos jogos da copa; tínhamos tv em casa, em Formiga. Lembro que minha mãe fazia pipoca e que meu amigo Tonho acompanhou alguns jogos comigo. A copa tinha um formato diferente, não era mata-mata. A primeira fase tinha quatro grupos de quatro. O primeiro e o segundo de cada grupo formavam dois grupos de quatro na segunda fase. Os primeiros dos grupos da segunda fase decidiam o título e os segundos, decidiam o terceiro lugar. O Brasil perdeu para a Holanda (2x0), ficando em segundo no grupo e decidiu o terceiro lugar com a Polônia. Perdeu este jogo também, ficando em quarto. Não tenho muitas lembranças dos jogos desta época. Lembro que torci muito em alguns jogos, mas não lembro da derrota para a Holanda e nem sei se assisti ao jogo que decidia o terceiro lugar. Lembro também que eu tinha álbum de figurinhas da copa, que o tempo se encarregou de sumir.
A copa de 1978 eu já acompanhei com mais critério e crítica. Também em Formiga, onde eu trabalhava em um escritório de contabilidade. Muitos debates com os colegas, longas horas discutindo um lance polêmico no primeiro jogo do Brasil, que terminou 1x1, contra a Suécia. No último minuto do jogo, escanteio para o Brasil e quando foi cobrado, Zico cabeceou para o gol. Comemoramos muito, mas o juiz anulou o gol. Alegação do juiz: encerrou o jogo com a bola no ar. Ocorreriam muitos outros fatos estranhos nesta copa. O Brasil empata com a Espanha e fica dependendo de vitória contra a Áustria. Ganhamos de 1x0 e classificamos em segundo. O sistema ainda é o mesmo da última copa, os oito classificados formam dois grupos de quatro. O grande azar do Brasil foi ficar no grupo da Argentina. Nos últimos jogos, com ambas seleções empatadas em pontos, o critério seria o saldo de gols. O Brasil ganha de 3x1 da Polônia e a Argentina precisa golear o Peru por pelo menos 4 gols de diferença. Ganha de 6x0 e fica com o primeiro lugar. Todos concordamos que o jogo foi comprado, mas só muitos anos depois vim a saber o que era a ditadura militar argentina e que o goleiro do Peru era argentino naturalizado peruano... O Brasil terminaria em terceiro após vitória sobre a Itália, 2x1, com gol de Nelinho, chutando de fora da área, com o efeito que ele conseguia dar à bola: ela fazia uma curva assim "(". Essa conversa de que não queremos saber de 3º Lugar, pelo menos para mim, é papo furado. Torci e vibrei muito quando ele fez o gol de empate e logo depois Dirceu fez 2x1.



1982 foi o ano que sofri pela primeira vez com a seleção. O time era muito bom. Eu já estava morando em BH, trabalhando na gráfica. Os colegas disputavam minha companhia a cada jogo. E assim eu assisti aos três primeiros jogos em três locais diferentes. Quando do jogo Brasil x Nova Zelândia, os colegas dos dois primeiros jogos reclamaram muito, pois o pagamento tinha saído e, portanto, dava para torcer e comprar cerveja também (risos). Lembrando que ainda era época de fases; e a segunda fase tinha três times: Brasil, Argentina e Itália. Para avançar às semifinais o Brasil tinha que terminar em primeiro. Começamos bem, grande jogo contra a Argentina, o Brasil ganhou de 3x1. Vibrei como nunca. A Argentina era uma grande rival. Com o resultado favorável, o Brasil só precisava de um empate contra a Itália. Explicação necessária de que o empate classificava o Brasil para a semifinal, pois muitos não entendem até hoje porque a vibração louca de Falcão ao marcar o 2x2 contra a Itália. Este jogo eu assisti com meus familiares. Também vibrei com o golaço de Falcão e quando Paolo Rossi fez 3x2 para a Itália, ficamos todos muito tristes. O time era bom, muito bom. Apresentou um futebol de campeão, mas levou dois gols em falhas bisonhas da defesa e deu adeus à Copa. Fiquei muito triste com esta derrota, saí e andei a esmo no centro de Belo Horizonte. Parei num bar, bebi uns chopes, fitando a tv desligada. Para onde olhasse só via faces tristes e inconsoláveis. Era o tempo em que, uma derrota da seleção brasileira calava todo o país. 
(continua)

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Imagem marcante

Foi muito bonito a atitude do jogador australiano, Mark Bresciano, que "cuidou" de seu mascote, o garotinho deficiente, que usa muletas. O fato de o jogador ter feito tudo naturalmente, sem nenhum aparato de marketing é que torna a imagem linda. Ele agiu naturalmente e sequer se deu conta da repercussão do gesto.



Espero que outros deficientes também tenham esta oportunidade, de ser mascote de algum jogo da Copa. É o tipo de inclusão que sempre apoio.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Deficientes no mundo dos quadrinhos e dos games

No mundo dos quadrinhos, o super-herói deficiente mais famoso é o Demolidor, que é cego. As histórias eram interessantes, pois Matt Murdock trabalha como advogado de dia e combate o crime à noite, como o Demolidor. Só que ninguém sabe que o Demolidor é cego. Ao perder a visão em um trágico acidente, teve ampliados os demais sentidos.
O Professor Charles Xavier, Professor X, é o criador dos X-Men, cadeirante, com grande poder psíquico. Porém, não é considerado humano e sim, mutante.


Maurício de Souza foi o que mais incentivou a participação de deficientes. Nas histórias da Turma da Mônica o Humberto é o personagem mudo da turma, criado em 1981. Quando da inclusão dos personagens deficientes, a Mônica esclareceu que o Humberto é também surdo (os leitores mais antigos sabem que ele sempre foi mudo, mas não era surdo). Ele veio a utilizar Libras em 2006.

Foram criados especialmente para interagir com a Turma da Mônica a personagem Dorinha (cega) e o personagem Luca (cadeirante). Também uma personagem com Síndrome de Down e um autista participam das histórias da turma (são mais recentes).

Outro dia, jogando videogame, fiquei surpreso com um personagem do jogo Sly Cooper, que é cadeirante. Muito legal, a cadeira de rodas cheia de truques eletrônicos. O jogo já existia há tempos, para PS2, porém, como muitos jogos exclusivos da Sony, sempre fez mais sucesso fora do que aqui no Brasil. A tartaruga é cadeirante e um verdadeiro gênio.

É interessante perceber que a inclusão invade também os quadrinhos e os games.

Parte da revistinha em que Humberto utiliza Libras pela primeira vez (clique na imagem para ampliar):

Vídeo com o personagem Bentley do game Sly Cooper.


domingo, 11 de maio de 2014

Dia das mães

Minha mãe inspirou muitos dos casos que relato e também vários de meus contos. Era uma pessoa alegre e batalhadora. Tinha enorme orgulho de todos os filhos e por eles fazia o possível e o impossível.

Texto de 2011, no Dia das Mães, este relato de bons momentos:
Domingo, Dia das Mães

Texto de 2010, sobre minha mãe e a facilidade de conversar com todos:
Conversações

Texto de 2012, sobre minha mãe e as promessas quando fiquei surdo:
Romaria

Parabéns a todas mães!



sábado, 3 de maio de 2014

A complexidade do ensino para surdos

Muitos amigos meus ficavam curiosos porque minhas três irmãs mais velhas não sabiam nada da língua de sinais e as duas mais novas sabiam. Anos depois, as duas mais velhas (professoras) passaram por uma situação atípica: com a inclusão escolar, elas tiveram que lidar com alunos surdos e eles ficavam entusiasmados quando elas diziam que o irmão era surdo, mas, eles se decepcionavam quando percebiam que elas não sabiam conversar com sinais (LIBRAS). Eu até ajudei, dei aulas básicas para elas, deixando claro que, devido à forma como elas conviveram comigo, não iriam assimilar a Libras da mesma forma que as irmãs mais novas. Eu estava na casa da minha irmã mais velha, ensinando Libras para elas e meu cunhado começa a rir:
- Agora que elas já estão velhas, elas querem aprender Libras? – minha irmã me diz o que ele falou e rimos todos.
Mas, era uma questão relevante e eu quis saber:
- Porque vocês não quiseram aprender a língua de sinais, na época? – naqueles anos ainda não era denominada Libras.
Minhas irmãs explicaram:
- Quando você iniciou os estudos no Instituto Santa Inês, as freiras falaram que não devíamos aprender a língua de sinais, que deveríamos continuar conversando com você e insistindo com a leitura labial. Diziam que você correria o risco de perder a fala também.

Era uma guerra psicológica, afinal, minhas irmãs estavam diante do irmão que perdeu a audição totalmente e a última coisa que queriam é que eu perdesse também a fala. Elas confiaram nos argumentos das freiras e não aprenderam a língua de sinais. As duas irmãs mais novas não tinham esta noção de que eu poderia perder a fala por conversar com sinais, elas eram praticamente crianças ainda e tudo que queriam era conversar da melhor forma com o irmão. 
Argumentei com minhas irmãs que havia um erro crasso na explicação das freiras. Elas, as freiras, não definiram meu histórico auditivo e surdo. Porque naquela época, era fácil saber que eu não teria problemas de fala, ainda que eu utilizasse Libras, por um motivo simples: a quantidade de anos ouvindo (13) era maior que a quantidade de anos surdo (1). Ocorre que as freiras simplesmente tentaram impor o que achavam melhor à época, que era o oralismo (entre as 10/20 freiras que lidavam conosco, apenas umas 5 sabiam a língua de sinais).

Jacob Rodrigues Pereira,
ensinando o oralismo à
irmã surda.
(Wikipédia)
O Congresso de Milão foi o encontro de educadores surdos em 1880 (Wikipédia). O que decidiram? Que o oralismo era um método superior ao gestualismo e proibiram (isto mesmo, proibiram) a língua de sinais no ensino para os surdos. Na Europa esta proibição quase acabou com a língua de sinais dos surdos. Aqui no Brasil os surdos do INES, no RJ, se rebelaram e continuaram usando a língua de sinais, mesmo que o ensino fosse oralizado. O Congresso de Milão conseguiu, assim, a expansão e a quase obrigatoriedade do oralismo. Importante ressaltar que os que decidiram pela educação através do oralismo eram ouvintes. Não havia um só surdo no Congresso de Milão. É a velha história de pessoas com intelecto superior acreditarem que têm competência para decidir sobre tudo, inclusive sobre os surdos, sem aceitar a opinião daqueles que realmente vivem o dilema da surdez, os surdos. Não combato o oralismo. Conheço surdos que vivem muito bem desta forma (leem lábios com destreza e não sabem nada de Libras). Mas há surdos que não estão aptos a aprender oralismo, devido às características diversas, sendo a familiar uma das mais importantes. A discussão sobre os dois métodos (Libras ou oralismo) ainda é bastante polêmica. Alguns pais que optam pelo oralismo temem que o(a) filho(a) surdo(a) tenha contato com surdos que usam Libras. O receio de que abandonem o método oral pela Libras é real, porque os surdos procurarão desenvolver a comunicação da forma mais fácil. E neste caso, a Libras é a comunicação mais fácil para os surdos (em idade escolar). Devido a grande variedade de identidades surdas, eu, por exemplo, em caso de vídeos, filmes, tv e cinema, prefiro a legenda, devido a ser o português a primeira língua que eu aprendi. Mas, surdos que têm a Libras como primeira língua, preferem vídeos, filmes, tv e cinema com Libras (é um pouco estranho um filme com Libras, mas, estou apenas citando preferências. E neste caso, o filme deve ser específico para estes surdos, o que causa um enorme transtorno para quem produziu o filme, colocar Libras numa película deve ser bastante complicado). Muitas pessoas não concordam com o oralismo, mas esquecem que, quem tem que decidir o caminho que o filho trilhará serão os pais. E se eles acreditam que o oralismo é melhor para o filho, temos que saber respeitar isso. Eu sei que minhas irmãs mais velhas não aprenderam Libras, naquela época, com a melhor das intenções. Assim como as mais novas aprenderam devido justamente a inocência e a curiosidade infantil. Elas não tinham nenhuma informação sobre a educação dos surdos. A caçula tinha três anos quando fiquei surdo. Portanto, ela cresceu vivenciando minha surdez. A mais nova ficou um pouco abalada no princípio, pois o irmão que ontem estava conversando e ouvindo normal, agora não ouvia mais. Entre tantas diferenças, todas conversavam comigo sem problemas, porque eu sou oralizado e utilizo Libras.

Escola bilíngue de Porto Alegre
(clique para ler)

Hoje, os surdos lutam pelas escolas bilíngues. Mas, muito importante nesta luta e na forma de ensino é que os responsáveis pela educação  não deixam de convidar os surdos para participar de todos os debates. As escolas bilíngues para surdos têm Libras como língua principal e a compreensão do português como língua escrita, o que é muito importante para os surdos.




(Publicado originalmente em 8 de novembro de 2012 / com alterações)