quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Eu e a religião I

Minha religião é a católica. Fui batizado, fiz Catecismo e Primeira Comunhão. Ia à missa todo domingo, quando pequeno, na missa das 8 horas, que era a Missa das Crianças. Mais tarde, na Missa dos Jovens, aos sábados. Depois que fiquei surdo, continuei frequentando a Igreja, indo às missas, participando de Grupo Jovem. Mas, quando houve a grande repercussão dos casos de pedofilia, e o pouco combate a esse problema, eu me distanciei da Igreja.

Cortador de hóstias manual
Estava fazendo Catecismo e foi interessante quando uma Irmã de Caridade, do Colégio Santa Terezinha, nos levou até o colégio e nos mostrou como eram feitas as hóstias. Ela nos mostrou a massa de pão, praticamente farinha de trigo e água, sem qualquer outro ingrediente. E como eram recortadas manualmente, com um cortador de metal, de formato circular. Ela colocou uma massa já pronta na mesa e nos deixou recortar algumas hóstias. E nos entregou para experimentar. E um dos colegas, assustado:
- Mas, eu ainda não confessei!!! - já se denunciando como um pequeno pecador.
A Irmã sorriu e explicou:
- Estas hóstias ainda não foram consagradas, então, elas são somente pão mesmo.

Igreja Matriz de S. Vicente Férrer
Formiga - MG
Quando as missas eram mais concorridas (Natal, Páscoa, etc), a Igreja Matriz abria também as portas de acesso ao segundo pavimento. Com os amigos, era mais interessante assistir à missa do segundo pavimento. Muitas vezes, ao término da missa, eu e os amigos Tonho e Emílio explorávamos algumas salas ali do alto. Como a iluminação era fraca, com as antigas lâmpadas incandescentes de poucos volts, era um pouco assustador. Lembro que uma vez passávamos por um corredor escuro e havia luz por entre as frestas de uma porta trancada. Olhamos pela pequena abertura da porta e como fui o último, eles riram do meu susto. Havia uma imagem de um Santo ou Papa, não sei qual, sentado em um trono postado de frente para a porta. Havia um amontoado de outras imagens mais atrás, mas quem olhava pela fresta fixava justamente esta imagem, a expressão e o olhar muito sérios.
- Dizem que um dia ele piscou - disse meu amigo Emílio.
Eu e o Tonho rimos:
- E quem garantiu isso? A própria pessoa que olhou?
Nunca soube que santo era aquele.

Antigamente eram chamados apenas de Missionários os hoje Pastores, que se consideram milagrosos. De um a dois anos depois que fiquei surdo, muitos Missionários passaram por Formiga. Os Missionários faziam propaganda maciça do evento que realizariam na cidade, prometendo curas milagrosas. Eu estava com 15 anos quando mais um Missionário anunciava sua presença na cidade. O Tonho insistia:
- Vamos lá? Ele diz que cura muita coisa, doenças, paralíticos, cegos.
- Não. - em debates anteriores, eu já tinha dito ao meu amigo que não duvidava da minha fé, mas que também não concordava, nem acreditava nestes missionários.
- Mas, o que que tem? Você não vai perder nada se for.
Eu respeitava sobremaneira os princípios católicos e não concordava com o método dos missionários. Conversei com minha mãe; ela não polemizou, sabia como eu pensava (ouvia as minhas conversas com o Tonho sem interferir) e só quando eu perguntei o que ela achava, ela se pronunciou:
- Você que sabe. Vão lá para vocês verem como é...
E assim eu e o Tonho fomos. O Missionário estava em um salão alugado, pouco depois da Praça Ferreira Pires. Assistimos ao evento, muitas orações e pedidos de ajuda. O Tonho conversava comigo utilizando o alfabeto dos surdos (datilologia). Ele escrevia as frases com uma rapidez incrível. Ele traduziu quase todo o evento desta forma. Ao final o Missionário disse que quem quisesse poderia se aproximar para um contato mais pessoal. O Tonho me leva até o Missionário. O Missionário já tinha "derrubado" umas cinco pessoas à minha frente. Chega minha vez e o Tonho relata brevemente o meu caso:
- Ele ficou surdo tem dois anos.
- Você acredita em Deus? - o Missionário me pergunta e o Tonho escreve rapidamente a pergunta.
- Sim. - eu respondo.
O Missionário manda que eu feche os olhos e reze com toda fé (o Tonho traduz). No que eu fecho os olhos o Missionário põe a mão espalmada na minha cabeça e começa a me empurrar para trás. Eu me apoio na perna direita, mantendo o corpo firme. O Tonho também estava me segurando. Eu era um garoto ainda, bem mais baixo que o Missionário. Naquele embate; o Missionário me empurrando e eu fazendo força contra, mal consegui rezar alguma coisa. Instantes depois o Missionário solta minha cabeça bruscamente e, como eu estava fazendo força contrária, quase trombo com ele. O Tonho me segurou.
O olhar do meu amigo era uma expressão pura de "e aí?".
- Vamos embora! - eu disse, simplesmente.
Nunca esqueci a decepção do meu amigo Tonho, visível no seu olhar triste. Ele tinha mais esperanças do que eu de que eu voltaria a ouvir. Eu, no entanto, não tinha sido abalado no meu bom humor:
- O Missionário queria me derrubar à força! Ele ficou me empurrando...
- Mas, você quase caiu foi em cima dele.
- Claro, ele me empurrava para trás e eu fazia força para a frente.

No Instituto Santa Inês, o ambiente religioso contava com as freiras professoras (uma que ministrava aula de Datilografia e outra de História) e com um padre, que dava aula de Ensino Religioso. A Irmã C., a cruzeirense que nos ensinava Datilografia era uma freira sorridente, feliz com o que fazia, nunca a vi brava, nem mesmo quando fazíamos alguma arte (eu e meu colega Adão, principalmente). Ela chamava a atenção com um sorriso nos lábios e terminava a frase da mesma maneira que outras tantas freiras do ISI:
- Mas, vocês dois são muito difíceis...

O Padre J.M. era tranquilo. Fumava (na época, o cigarro ainda não era tão combatido como hoje) e ria quando eu pedia um cigarro:
- Nada de fumar, Jairo. Você ainda está muito novo. - estudei no ISI dos 14 aos 16 anos - Quando fizer 18, você resolve.
Em uma aula ele estava andando para um lado e outro enquanto falava e toda hora tropeçava na mesa ao canto, que tinha aparelhagem para áudio (estragada). Todas as mesas eram fixas no chão. No terceiro tropeção, o Padre J.M. resolveu tirar a mesa dali. E começava a fazer um esforço descomunal para empurrar a mesa para o canto.
Eu e o Adão rindo a não poder mais.
- Do que vocês estão rindo? - pergunta o Padre J.M., meio sério e tenta empurrar a mesa novamente.
Rimos mais ainda. Nossa colega mais velha levanta-se, recriminando nós dois.
- Faz assim não, meninos. - e apontando para os pés da mesa presa ao chão, fala para o Padre - Aí, Padre. A mesa tem parafusos.
- Ah, pregada!
A expressão que o Padre fez só conseguiu arrancar mais gargalhadas.
Ele também riu e nos apontou com a famosa frase:
- Vocês dois são muito difíceis...

(continua)
Eu e a religião II


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