sexta-feira, 1 de abril de 2016

Primeiro de abril

Professor Onofre, a Irmã Ana está chamando o senhor.
- Nessa eu não caio, Jairo! – respondeu o professor rindo.
Era 1º de Abril e eu estava pregando peças em todos. Disse à Doralice que a Professora D. Regina estava chamando na sala da 6ª série. Enquanto ela se dirigia para a sala da 6ª série, eu falei, todo sério, com nosso professor de Geografia:
- Professor Lenine, a Irmã Ana está chamando o senhor.
- Onde ela está?
- Na hora que ela me falou ela estava entrando na Diretoria.
Ele se dirigiu para lá e eu entrei na minha sala. Sentamos e o Professor Onofre começou a aula de Ciências, fazendo a chamada.
- A Doralice não veio? – ele perguntou.
- Veio. – respondi rindo. – É que ela está com a Professora D. Regina
A Doralice entra na sala, gesticulando nervosa “mentiroso, mentiroso!”.
- A D. Regina não estava me chamando. Mentiroso!!
Todos riram e ela perguntou:
- Porque ele está falando mentira?
- Hoje é 1º de Abril, dia da mentira. Pode falar mentira  à vontade.
Quando o recreio estava terminando, duas alunas da 6ª série voltavam do pátio e eu disse, com sinais:
- “Hoje confissão Padre Vicente. Esperar na capela. Vocês atrasadas já”.
Elas deram meia volta e foram para a capela. Eu voltei para minha sala. O Professor Onofre estava ministrando a aula de Matemática (ele lecionava as duas matérias, Ciências e Matemática).  A Irmã Ana entra na sala e começa a conversar com o professor. Sempre prestávamos atenção quando a Irmã Ana entrava, porque era alguma informação ou modificação nos horários de aula. E li direto nos lábios dela:
- Professor Onofre, não teve aula de Geografia para ninguém hoje. Não sei o que aconteceu, mas o Professor Lenine foi embora, após perguntar onde eu estava.
- Isso é o Jairo e as brincadeiras de 1º de Abril. – dedurou o professor, rindo, sabendo que eu tinha falando com todos os professores que a Irmã Ana estava chamando.
- Ê, menino! O Professor Lenine estava pedindo alguns dias de licença e quando você disse que eu estava chamando, ele pensou que era para dispensá-lo e foi embora.
- Não sabia disso não, Irmã. Eu falei de brincadeira.
Neste momento entra a Irmã Gorette, Professora de História, preocupada:
- Duas alunas da 6ª série não voltaram do recreio, procuramos e não encontramos em lugar nenhum.
As Irmãs Ana e Gorette saíram da sala e o Professor Onofre ia continuar a aula, mas o Adão escutou em parte o que a Irmã Gorette disse e me informou, já sabendo o que eu tinha aprontado. Eu esclareci para o Professor Onofre:
- Professor, manda as Irmãs buscarem as duas na capela.
- Capela? Como você sabe que elas... Jairo, o que você aprontou agora?
- Eu disse que hoje tinha confissão do Padre Vicente e falei para as duas irem para a capela.
O Professor Onofre foi até as Irmãs e informou onde estavam. As duas estavam na capela, sentadas no primeiro banco, caladinhas, esperando o Padre Vicente. O Padre Vicente era uma grande figura. Referência para todos os surdos, devido à sua luta para se tornar padre. Ele foi o primeiro padre surdo do Brasil. Era muito amigo de todos os surdos, usava a língua de sinais. Era também bastante enérgico conosco.
O Padre Vicente não estava lá, claro.
O Professor Onofre voltou e contou o que tinha ocorrido.
- Professor, a Irmã Ana vai me dar uma advertência depois dessa? – perguntei, meio temeroso.
- Não, Jairo. – e se aproximou de nós, segredando – Não contem para ninguém, mas quando eu disse para a Irmã Ana o que você aprontou, ela soltou uma gargalhada.
E o Professor Onofre acrescentou, ele mesmo rindo muito:
- Nunca tinha visto a Irmã Ana gargalhar antes.

Alguns nomes foram substituídos por motivos óbvios.

Publicado originalmente em 14/08/2012. Terceira parte da seguinte sequência
A arte de fazer arte - I
A arte de fazer arte - II