sábado, 26 de setembro de 2015

26 de setembro - Dia Nacional do Surdo

A data remonta à inauguração da primeira escola para surdos no Brasil, em 1857, o Instituto Nacional de Surdos Mudos do Rio de Janeiro, atual INES‐Instituto Nacional de Educação de Surdos. O INES, hoje uma referência nacional em termos de educação para os surdos era também um asilo. Ali eram deixados os surdos de toda parte do país, alguns abandonados pelas famílias. Somente eram aceitos homens. D. Pedro II trouxe da França Hernest Huet, professor surdo que ensinou a língua de sinais para os surdos brasileiros. Huet colaborou para a fundação e a educação dos surdos no INES.

Super Notícia - 29/09/2002
No início dos anos 2000 participei ativamente das passeatas e manifestações dos surdos de Belo Horizonte, quando apresentamos diversas reivindicações ao Governo do Estado (primeiro ao Governador Itamar Franco e nos anos seguintes ao Governador Aécio Neves). Na realidade, pouco conseguimos diante dos políticos mineiros.  Ainda hoje, em Belo Horizonte, a referência escolar para os surdos é o Instituto Santa Inês e a Escola Estadual Francisco Sales. Estudei no Instituo Santa Inês, que é parte do Colégio Monte Calvário, das Freiras Filhas de Nossa Senhora do Monte Calvário. No ISI terminei o ensino fundamental, que eu iniciei em Formiga, interrompido então, pela surdez. E quanto à Escola Estadual Francisco Sales, recentemente o governo por pouco não encerrou as atividades desta escola, devido à inclusão escolar dos surdos. Em vista de manifestações contrárias, o governo manteve a E.E. Francisco Sales ativa. Com a inclusão escolar, diversas escolas estaduais proporcionaram aos surdos a possibilidade de cursar o Ensino Médio. Na E.E. José Bonifácio foi onde eu cursei o Ensino Médio. Com salas mistas (surdos e ouvintes) e um intérprete, os surdos conseguiram continuar os estudos. Havia muita dificuldade para cursar o Ensino Médio, pois não havia nenhum projeto de inclusão dos surdos. Também esta conquista (Ensino Médio nas escolas, com intérprete) foi uma grande batalha, com auxílio também das intérpretes (haviam somente duas turmas). Atualmente, além das escolas, os surdos conseguem cursar faculdades, pois a inclusão escolar se expandiu enormemente, proporcionando aos surdos maior acesso aos cursos superiores. É a realidade advinda das manifestações dos surdos. A de 2002 tinha justamente o tema "Direito a Escola e Educação para os Surdos".

Ainda tenho a camisa da
manifestação dos surdos - 2002
Da manifestação dos surdos em 2002 ainda tenho a camisa padronizada (comparem nas fotos) que foi distribuída para todas as entidades que apoiaram a manifestação, que as redistribuiu entre os participantes. A parte de trás constava com os apoiadores, praticamente todas as entidades de surdos de Belo Horizonte e Contagem.

Uma das leis que já existiam e que, praticamente não era cumprida, chamada de Lei de Cotas (Lei 8.213 de 24 de julho 1991), foi de extrema importância na inserção dos surdos no mercado de trabalho. Entre as reivindicações dos surdos sempre constava um capítulo específico solicitando que o governo cumprisse e fizesse cumprir a Lei de Cotas. Somente a partir de 2003, com um maior rigor da fiscalização do Ministério do Trabalho, as empresas passaram a ser autuadas em decorrência do não cumprimento desta lei. Os avanços com o cumprimento desta lei se mostraram bastante satisfatórios para a admissão dos surdos no mercado de trabalho. Grandes empresas nacionais e multinacionais passaram a contratar deficientes e os surdos foram os maiores beneficiados, pois a contratação do surdo não exige que as empresas modifiquem a estrutura funcional do ambiente de trabalho.

Em outubro de 2008 foi publicada no Diário Oficial da União a Lei que criava o Dia Nacional do Surdo. (Lei 11.796/2008)

A Lei de Acessibilidade (Lei 10.098/2000) proporcionou aos surdos a possibilidade de acompanharem na TV diversos tipos de programas televisivos, desde novelas a telejornais, pois instituiu a legenda oculta (closed caption) na grade de programação das emissoras de TV. Com o aumento gradual da inserção da legenda, a programação em 2016 já deverá contar com a opção em todos seus programas.

A Lei de Libras (Lei 10.436/2002) estabeleceu a Libras como a língua oficial da comunidade surda brasileira. 

As dificuldades enfrentadas pelos surdos foram diminuindo com o tempo, mas ainda há muito a ser feito.


As lutas mais atuais se concentraram na aprovação do Estatuto da Deficiência. Assim, em 6 de julho de 2015 foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) (Lei 13.146/2015). Com esta lei veio a aprovação das escolas bilíngues para surdos, muito importante para a inserção do surdo à língua portuguesa e vice-versa. 


Conquistas que beneficiaram a comunidade surda em geral:

- cumprimento (com maior fiscalização a partir de 2003) da Lei de Cotas.
- a Lei de Libras proporcionou aos surdos um maior acesso à educação, possibilitando comunicar e ensinar em Libras.
- em diversos órgãos públicos há profissionais capacitados em Libras (intérpretes), que proporcionam um melhor atendimento ao surdo.
- closed caption em vasta programação televisiva
- a aprovação das escolas bilíngues.
- o celular se tornou um aparelho essencial para os surdos, possibilitando a utilização do telefone sem intermediários.
- aposentadoria especial.

Parabéns a todos os surdos pelo seu dia!

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Meus dois amigos atleticanos

Dois grandes amigos de infância e adolescência eram atleticanos. Talvez por isso, nunca fui partidário das brincadeiras envolvendo as torcidas, preferindo muito mais a discussão clara e objetiva, envolvendo o jogo. A.C. e E.P. eram atleticanos ferrenhos e muitas vezes eu estava junto a eles, acompanhando os clássicos, no rádio. Dificilmente um clássico era televisionado. Ocorria quando os ingressos se esgotavam e a tv entrava com a transmissão ao vivo, de surpresa. Ao lado dos meus amigos, ficava aguardando que me informassem gols ou lances capitais. Mas, eles eram torcedores do Atlético e os comentários eram parciais:
- O Galo está atacando direto. O Cruzeiro está todo recuado.
- O Galo está jogando bem.
- Quase gol do Galo.
Vibravam com os lances de perigo na área cruzeirense, momento que eu pensava que tinha sido gol a favor do Atlético. E quando o gol realmente ocorria eu tinha que aguentar os dois pulando feito doidos, gritando “Galôôôô”. Quando era gol do Cruzeiro, eu nem vibrava. Eles demoravam a informar que foi gol do Cruzeiro. Ficavam secando a validação:
- Não valeu. Vai anular. Que isso?!?! Roubado.
Eu perguntava:
- Gol de quem?
- Gol do Cruzeiro. – respondiam, com a cara emburrada.
Os dois sabiam escrever com o alfabeto manual dos surdos em velocidade incrível (lembrando que na época ainda não existia a denominação Libras).
Acompanhamos juntos a decisão de 1977, quando o Cruzeiro tinha um time abaixo da média e o Atlético estava com os craques selecionáveis, Toninho Cerezzo, Reinaldo, Paulo Isidoro, Éder Aleixo. O Cruzeiro foi tetracampeão mineiro (1972 a 1975) e a sequência foi interrompida em 1976, com o Atlético sendo campeão. A decisão de 1977 começou com o Atlético vencendo o primeiro jogo por 1x0. A. e E. já comemoravam o título, pois o Atlético precisava de um empate no jogo seguinte. Só que no segundo jogo, Revetria marcou três. O Atlético precisava do empate para ser campeão e chegou a fazer dois. A cada lance em que o Atlético quase empatava a partida os dois pulavam. E eu ficava interpretando as expressões faciais deles. Eles só me passavam o que interessava a eles. Rádio é mesmo uma coisa inútil para os surdos! Não é possível descrever o martírio que era desejar saber o que ocorria no jogo e compreender perfeitamente que o aparelhinho ali descrevia todas as situações. Ainda quando ouvia escutei alguns jogos pelo rádio, junto à minha mãe (que era apaixonada com o Formiga Esporte Clube e a Seleção Brasileira). Portanto, eu tinha plena consciência do que era narração de um jogo. E como meus amigos eram atleticanos, no momento em que eles prendiam a respiração, ficavam imóveis, de olhos arregalados e preparando para gritar e pular, eu sabia que o Atlético estava atacando com perigo de gol. Claro que isso não acontecia quando era o Cruzeiro que atacava, muito menos quando o Cruzeiro fazia gol.
- Quase gol do Galo!
- Passou perto! Vai empatar.
Não empatou. Teríamos um terceiro jogo. Bons tempos em que muitas decisões eram assim: venceu o primeiro jogo, perdeu o segundo, um terceiro jogo era realizado (a primeira Libertadores que o Cruzeiro conquistou também teve um terceiro jogo em campo neutro).

O terceiro jogo foi televisionado. Só o A. estava assistindo comigo. Ele não tinha tv em casa. Diante da tv foi minha vez de pular e vibrar. O Cruzeiro foi campeão, 3x1. O A. contava para os nossos amigos:
- Não dá para assistir jogo com o Jairo. Fica gritando feito doido. E sapateando na cadeira. – sofá era um móvel caríssimo para os nossos padrões financeiros à época.
Mas, eu ria e dizia:
- E não dá para acompanhar jogo no rádio com você. Fica só falando do Galo, quase gol do Galo, o Galo está atacando, pressão total do Galo. Parece que o Cruzeiro nem está jogando.
Mas, a amizade era muito maior que a rivalidade clubística e no clássico seguinte lá estávamos nós novamente, ao lado de um rádio.

Muitas vezes acompanhamos o campeonato brasileiro cada qual com sua tabela da revista Placar. Eu ficava perdido com os resultados de muitos jogos. Eles ouviam os resultados no rádio e me passavam. Coleção de reportagens sobre o Atlético ou sobre o Cruzeiro, eu e o E. pegávamos de revistas antigas. Se encontrasse alguma revista velha, principalmente a Placar, com alguma conquista de campeonato, levava para ele e vice versa. Alguns amigos achavam estranho quando eu estava com revista ou jornal com reportagem sobre o Atlético. Perguntavam desconfiados:
- Mas você não é cruzeirense?
Eu ria, informava que era para um amigo atleticano.
Também estranhavam o E. na mesma situação, com reportagens sobre o Cruzeiro.
Eu tinha recortes da primeira conquista internacional cruzeirense, a Taça Libertadores de 1976. O E. me ajudou a montar o caderno de recortes. Só que com as tantas mudanças que a família fez, de Formiga para Belo Horizonte e daí para Contagem, esse caderno sumiu.
Jogávamos futebol com a molecada da rua em Formiga e o E. se espelhava em Ortiz, o goleiro argentino do Atlético, à época, com bermuda longa (o tamanho normal hoje) e faixa no cabelo. E. era o goleiro do time e usava indumentária igual. Pegava um calção do irmão mais velho, deixava o cabelo crescer e usava faixa. Ortiz era realmente um grande goleiro, batia pênaltis também. Infelizmente, ele foi crucificado por causa dos dois jogos em que levou 4 gols do uruguaio Revetria. Revetria marcou os 3 gols da segunda partida (3x2) e mais um na terceira, quando o jogo ainda estava 1x0 para o Atlético, resultado que dava o título para o Atlético. Com o empate veio a prorrogação, o Cruzeiro marcou mais dois e foi campeão.

A excelente convivência com estes meus dois amigos atleticanos, que nunca discutiram futebol ofensivamente comigo, deixou-me sempre dissociado das zombarias ofensivas que envolvem as torcidas.


Daquela boa época de adolescente, ainda tenho o chaveirinho de Itu, que o dono da distribuidora de bebidas da esquina me deu. Ele era cruzeirense fanático.

O "chaveirinho" de Itu tem, na verdade, quase um palmo de altura.

A cidade de Itu é conhecida como a cidade onde tudo é grande.


Ortiz faleceu em 1995, aos 48 anos, vítima de cirrose (eu não sabia disso, mas hoje em dia, temos o Google, a enciclopédia virtual), onde é possível encontrar qualquer informação.

Ao lado, Ortiz, o goleiro do Atlético que mais influenciava a criançada, inclusive meu amigo E.P. (na foto, levando um dos gols de Revetria) Com seu calção enorme, sua vasta cabeleira, faixa e bonezinho, ele realmente chamava muita atenção. - Para ler mais sobre Ortiz, clique AQUI>


Triste observação: No clássico de domingo passado (13/09) morreram torcedores em briga de torcidas. É algo que nunca vou entender. Porque motivo saem brigando e matando em nome de times de futebol? Que diabos estão defendendo, afinal?