quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Meus dois amigos atleticanos

Dois grandes amigos de infância e adolescência eram atleticanos. Talvez por isso, nunca fui partidário das brincadeiras envolvendo as torcidas, preferindo muito mais a discussão clara e objetiva, envolvendo o jogo. A.C. e E.P. eram atleticanos ferrenhos e muitas vezes eu estava junto a eles, acompanhando os clássicos, no rádio. Dificilmente um clássico era televisionado. Ocorria quando os ingressos se esgotavam e a tv entrava com a transmissão ao vivo, de surpresa. Ao lado dos meus amigos, ficava aguardando que me informassem gols ou lances capitais. Mas, eles eram torcedores do Atlético e os comentários eram parciais:
- O Galo está atacando direto. O Cruzeiro está todo recuado.
- O Galo está jogando bem.
- Quase gol do Galo.
Vibravam com os lances de perigo na área cruzeirense, momento que eu pensava que tinha sido gol a favor do Atlético. E quando o gol realmente ocorria eu tinha que aguentar os dois pulando feito doidos, gritando “Galôôôô”. Quando era gol do Cruzeiro, eu nem vibrava. Eles demoravam a informar que foi gol do Cruzeiro. Ficavam secando a validação:
- Não valeu. Vai anular. Que isso?!?! Roubado.
Eu perguntava:
- Gol de quem?
- Gol do Cruzeiro. – respondiam, com a cara emburrada.
Os dois sabiam escrever com o alfabeto manual dos surdos em velocidade incrível (lembrando que na época ainda não existia a denominação Libras).
Acompanhamos juntos a decisão de 1977, quando o Cruzeiro tinha um time abaixo da média e o Atlético estava com os craques selecionáveis, Toninho Cerezzo, Reinaldo, Paulo Isidoro, Éder Aleixo. O Cruzeiro foi tetracampeão mineiro (1972 a 1975) e a sequência foi interrompida em 1976, com o Atlético sendo campeão. A decisão de 1977 começou com o Atlético vencendo o primeiro jogo por 1x0. A. e E. já comemoravam o título, pois o Atlético precisava de um empate no jogo seguinte. Só que no segundo jogo, Revetria marcou três. O Atlético precisava do empate para ser campeão e chegou a fazer dois. A cada lance em que o Atlético quase empatava a partida os dois pulavam. E eu ficava interpretando as expressões faciais deles. Eles só me passavam o que interessava a eles. Rádio é mesmo uma coisa inútil para os surdos! Não é possível descrever o martírio que era desejar saber o que ocorria no jogo e compreender perfeitamente que o aparelhinho ali descrevia todas as situações. Ainda quando ouvia escutei alguns jogos pelo rádio, junto à minha mãe (que era apaixonada com o Formiga Esporte Clube e a Seleção Brasileira). Portanto, eu tinha plena consciência do que era narração de um jogo. E como meus amigos eram atleticanos, no momento em que eles prendiam a respiração, ficavam imóveis, de olhos arregalados e preparando para gritar e pular, eu sabia que o Atlético estava atacando com perigo de gol. Claro que isso não acontecia quando era o Cruzeiro que atacava, muito menos quando o Cruzeiro fazia gol.
- Quase gol do Galo!
- Passou perto! Vai empatar.
Não empatou. Teríamos um terceiro jogo. Bons tempos em que muitas decisões eram assim: venceu o primeiro jogo, perdeu o segundo, um terceiro jogo era realizado (a primeira Libertadores que o Cruzeiro conquistou também teve um terceiro jogo em campo neutro).

O terceiro jogo foi televisionado. Só o A. estava assistindo comigo. Ele não tinha tv em casa. Diante da tv foi minha vez de pular e vibrar. O Cruzeiro foi campeão, 3x1. O A. contava para os nossos amigos:
- Não dá para assistir jogo com o Jairo. Fica gritando feito doido. E sapateando na cadeira. – sofá era um móvel caríssimo para os nossos padrões financeiros à época.
Mas, eu ria e dizia:
- E não dá para acompanhar jogo no rádio com você. Fica só falando do Galo, quase gol do Galo, o Galo está atacando, pressão total do Galo. Parece que o Cruzeiro nem está jogando.
Mas, a amizade era muito maior que a rivalidade clubística e no clássico seguinte lá estávamos nós novamente, ao lado de um rádio.

Muitas vezes acompanhamos o campeonato brasileiro cada qual com sua tabela da revista Placar. Eu ficava perdido com os resultados de muitos jogos. Eles ouviam os resultados no rádio e me passavam. Coleção de reportagens sobre o Atlético ou sobre o Cruzeiro, eu e o E. pegávamos de revistas antigas. Se encontrasse alguma revista velha, principalmente a Placar, com alguma conquista de campeonato, levava para ele e vice versa. Alguns amigos achavam estranho quando eu estava com revista ou jornal com reportagem sobre o Atlético. Perguntavam desconfiados:
- Mas você não é cruzeirense?
Eu ria, informava que era para um amigo atleticano.
Também estranhavam o E. na mesma situação, com reportagens sobre o Cruzeiro.
Eu tinha recortes da primeira conquista internacional cruzeirense, a Taça Libertadores de 1976. O E. me ajudou a montar o caderno de recortes. Só que com as tantas mudanças que a família fez, de Formiga para Belo Horizonte e daí para Contagem, esse caderno sumiu.
Jogávamos futebol com a molecada da rua em Formiga e o E. se espelhava em Ortiz, o goleiro argentino do Atlético, à época, com bermuda longa (o tamanho normal hoje) e faixa no cabelo. E. era o goleiro do time e usava indumentária igual. Pegava um calção do irmão mais velho, deixava o cabelo crescer e usava faixa. Ortiz era realmente um grande goleiro, batia pênaltis também. Infelizmente, ele foi crucificado por causa dos dois jogos em que levou 4 gols do uruguaio Revetria. Revetria marcou os 3 gols da segunda partida (3x2) e mais um na terceira, quando o jogo ainda estava 1x0 para o Atlético, resultado que dava o título para o Atlético. Com o empate veio a prorrogação, o Cruzeiro marcou mais dois e foi campeão.

A excelente convivência com estes meus dois amigos atleticanos, que nunca discutiram futebol ofensivamente comigo, deixou-me sempre dissociado das zombarias ofensivas que envolvem as torcidas.


Daquela boa época de adolescente, ainda tenho o chaveirinho de Itu, que o dono da distribuidora de bebidas da esquina me deu. Ele era cruzeirense fanático.

O "chaveirinho" de Itu tem, na verdade, quase um palmo de altura.

A cidade de Itu é conhecida como a cidade onde tudo é grande.


Ortiz faleceu em 1995, aos 48 anos, vítima de cirrose (eu não sabia disso, mas hoje em dia, temos o Google, a enciclopédia virtual), onde é possível encontrar qualquer informação.

Ao lado, Ortiz, o goleiro do Atlético que mais influenciava a criançada, inclusive meu amigo E.P. (na foto, levando um dos gols de Revetria) Com seu calção enorme, sua vasta cabeleira, faixa e bonezinho, ele realmente chamava muita atenção. - Para ler mais sobre Ortiz, clique AQUI>


Triste observação: No clássico de domingo passado (13/09) morreram torcedores em briga de torcidas. É algo que nunca vou entender. Porque motivo saem brigando e matando em nome de times de futebol? Que diabos estão defendendo, afinal? 


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