segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Aparelhos antigos, Implante Coclear (IC) e outros assuntos...

Quem assiste a novela Viver a Vida sabe dos percalços que passa a personagem Luciana, vivida pela atriz Aline Moraes. Eu gosto de acompanhar esta novela justamente por causa do drama da personagem. Apesar da diferença enorme entre as deficiências (ela, tetraplégica; eu, surdo), muita coisa é bastante parecida. O impacto negativo que uma mudança tão drástica traz no nosso viver, a luta por voltar a viver, o drama de um dia para o outro ser diferente dos demais. A tristeza, depressão e o desejo de não ser diferente. O sonho constante de que tudo retornará ao normal. Também saí do hospital crendo que a surdez era passageira, que eu tinha condições de voltar a ouvir. Estou surdo até hoje, por isso concordo com a atriz, que em entrevista disse preferir que sua personagem não voltasse a andar, porque esta é a realidade.
Recentemente a enfermeira estava tirando medidas da personagem, para sua cadeira de rodas. Ela não quer usar cadeira de rodas. Lembro que também tive que tirar molde do meu ouvido, para inserção do aparelho auditivo. E que também não me animei muito a sair com o aparelho pelas ruas da minha cidade. Principalmente porque, não era a mesma coisa. Ficava parecendo um engodo, se eu dissesse para as pessoas que estava com um aparelho auditivo, mas que na verdade não ouviria normalmente e que somente o barulho dos sons seriam perceptíveis. Sei que usei muito pouco o aparelho. Que parecia um pequeno maço de cigarros. Funcionava com uma pilha palito. Muito diferente dos AASI de hoje, que são minúsculos, podem ser introduzidos no ouvido e funcionam com uma bateria pequena.
Na escola para surdos, Instituto Santa Inês, onde estudei, vi muitas crianças com o mesmo tipo de aparelho, nos dois ouvidos. Mas, o mais engraçado é que eu nunca usei o aparelho na escola. Porque eu usei mais ou menos uns três meses e, instintivamente, recusei aquela abelhinha no meu ouvido. No ano seguinte, quando fui para a escola, já não usava mais o aparelho. Minhas irmãs então venderam o aparelho para o pai do meu cunhado. Minhas irmãs me consultaram, perguntando se podia vender, se eu não iria usar mais mesmo.
Atualmente há um embate entre o uso de Libras, de AASI e o Implante Coclear (IC). No meu serviço hoje, a chefe do setor disse que ouviu no rádio que o Hospital das Clínicas ia começar a fazer cirurgia para IC, através do SUS (ela não disse IC, disse cirurgia para colocar aparelho). Perguntou se eu sabia e eu dei uma leve explicação de como funciona o IC e que não é uma coisa tão simples. No meu caso também, o tempo de surdez já é maior que o tempo de ouvinte, ocasionando descarte de opção para o IC. Expliquei também que o som é amplificado, que a pessoa tem que ter uma grande paciência e força de vontade, para reaprender a ouvir, a distinguir e identificar os sons. E que no meu caso, que sei o que é ouvir perfeitamente, acaba sendo muito frustrante, ocasionando o que relatei antes: a pessoa prefere não usar os dispositivos.
Colegas meus, surdos, comentando sobre o IC, um deles citou que conhecia uma menina surda, que fez o IC, mas que não usava o aparelho. Ficou a cirurgia, as ligações, mas ela preferiu "desligar" o IC.
É muito complicado, porque muitos dos surdos não tiveram direito a optar. Se queriam continuar sem IC, sem AASI. Quanto às crianças, sinceramente, se o IC for realmente positivo, possibilitar que elas tenham condições de compreensão dos sons, então, tudo bem. Porque eu, que já ouvi, sei muito bem a maravilha que são os sons.

As fotos são do meu aparelho auditivo, que nas voltas que a vida dá, um dia retornou para minhas mãos.

Publicado originalmente em 14/12/2009
- OBS: O IC (Implante Coclear) suscita muita discussão entre os surdos; há apoio e oposição à cirurgia. Há muita propaganda contra o IC, relatos de problemas e até mesmo mortes. Pessoalmente, um amigo que passou pelo implante, hoje está muito satisfeito, capacitado até a conversar ao telefone, algo que ele não conseguia com o AASI. No meu caso, fatores diversos, como a não adaptação ao aparelho comum, meu cérebro que tem memória auditiva extremamente elevada, o que seria benéfico se torna um problema, porque eu não processo os sons eletrônicos corretamente, tornando desaconselhável a cirurgia para o implante. Em crianças menores, a responsabilidade é dos pais, mas compreensivelmente, eles só querem o melhor para os filhos surdos e, portanto, procurarão a tecnologia mais atualizada que possibilite aos filhos ouvir os sons do mundo.