quinta-feira, 23 de junho de 2016

Documentário sobre atletas paralímpicos

É um documentário sobre o cotidiano dos atletas paralímpicos. Infelizmente, não inclui referências aos surdos que, como já expliquei em outro post (clique AQUI para ler), têm sua própria olimpíada.
O filme parece ser interessante, mas peca já no trailer, que começa com legendas, mas depois não há mais. Não sei se o filme a ser exibido nos cinemas conterão legendas. Mas, comumente, filmes em português, não têm legendas, um erro crasso das entidades responsáveis.

O filme é um longa, de 110 minutos. "Paratodos" estréia nesta quinta-feira (23/06) nos cinemas de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Brasília, Salvador, Palmas e Londrina. Aqui em Belo Horizonte está em cartaz no Cine Belas Artes.



O filme também estará disponível para exibição em organização, centro cultural, coletivo, cineclube, escola ou qualquer outro lugar de interesse público. Recomendado também para entidades que trabalham com a inclusão de deficientes e escolas da rede pública de ensino que contam com  a inclusão social.  Basta se cadastrar no site Plataforma Taturana (clique para ir ao site).


sábado, 11 de junho de 2016

Concursos públicos e deficientes

Imagem Agência Senado
A meritocracia é legal entre os iguais. Mas, colocar no mesmo nível pessoas sem e com deficiência gerará desequilíbrio. É óbvio que uma empresa não vai contratar um deficiente se uma pessoa sem deficiência também se oferece para a vaga. Nós, surdos, enfrentamos apenas a barreira da comunicação. Mas, os demais deficientes, como os cegos e paraplégicos necessitam de adaptações no ambiente de trabalho. Rampas e banheiros adaptados para os paraplégicos; programas de voz para os cegos trabalharem com o computador, entre outros. No entanto, se não há uma norma ou lei obrigando as empresas a contratarem deficientes, elas não os contratarão. É compreensível que uma empresa contrate, por exemplo, um funcionário ouvinte e não um surdo, uma vez que, independente da função que ele exercer, ele poderá atender o telefone e lidar com o público externo.  Com a criação de uma lei específica foi possível uma melhor inserção dos deficientes no mercado de trabalho. A lei da reserva de vagas para deficientes em empresas com mais de 100 empregados é a Lei 8.213/91.

A Lei 7.853, de 1989, foi a primeira a recomendar a reserva de vagas nas administrações públicas e no mercado privado. Porém, somente dez anos depois, com o Decreto 3.298, de dezembro de 1999 foi que a reserva de vagas para deficientes em concursos públicos estava instituída por decreto, no seu Art. 37 (clique AQUI) - 

“Art. 37.  Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.
§ 1o  O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida.
§ 2o  Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente.
Art. 38.  Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos de provimento de:
I -  cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeação e exoneração; e
II - cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato.”

Lembrando que no Art. 38 fica clara a impossibilidade de ingressar em carreiras que exijam aptidão plena, como Polícia Militar, Bombeiros, entre outros. A Polícia Militar de MG, no entanto, já nos surpreendeu oferecendo reserva de vagas para deficientes em concurso público relacionada à área administrativa. O concursado deficiente afere todos os direitos, sendo considerado policial militar, porém, sem porte de arma e sem trabalhos externos. 

Nos primeiros anos da aprovação do Decreto 3.298, participei de diversos concursos públicos. Participei de concursos em Ibirité, Contagem, Betim e a maioria, em Belo Horizonte. O primeiro em que fui aprovado foi em um concurso público de Contagem, da área de Saúde. No início dos anos 2000, lembro-me da satisfação de ver meu nome em primeiro lugar, na lista de deficientes:
1 – Jairo Fernando de Oliveira
2 – Solange M. A.
Solange, que tinha surdez profunda, brincava muito quando me via:
- Você roubou minha vaga...
- São duas vagas! Assim que me chamarem, não demora muito e te chamam também.
Ambos trabalhávamos em uma entidade de surdos, fazendo parte dos conselhos, eu, do Administrativo e ela do Fiscal.
Mas, nunca fomos convocados para preenchimento das vagas. Um dos fatores não respeitados em relação aos concursos públicos era justamente a ordem de convocação dos deficientes. Algumas vezes os órgãos públicos decidiam que os deficientes seriam convocados após o preenchimento das vagas das pessoas ditas “normais”. E como a maioria dos concursos tinha validade de dois anos, os deficientes aguardavam por um longo tempo a convocação. E a validade do concurso se esvaia e a convocação não se concretizava. Esta era a forma que diversos órgãos públicos encontraram para ignorar a convocação de deficientes. Os órgãos também tinham o direito de decidir quando seriam convocados, não somente os candidatos com deficiência, mas todos. Muitos concursos eram realizados, mas nunca ocorria a convocação (de nenhum candidato). Anos depois a legislação obrigou que os aprovados em um concurso deveriam ser chamados dentro do prazo de validade do mesmo. Mas, os deficientes sempre ficavam à mercê da decisão dos órgãos públicos. A situação começou a melhorar quando os deficientes passaram a entrar na Justiça contra a não convocação para preenchimento das vagas. Assim, houve a implantação da convocação dos deficientes de acordo com a porcentagem de convocados. 

De diversos concursos públicos que participei, não levava muita fé na minha aprovação, porque eu pouco estudava. Não comprava apostila, não fazia cursinho. Quando havia questões de Direito Administrativo, dava uma lida nas apostilas que os colegas surdos compravam. 

Em 2007 passei no concurso da SUDECAP, órgão da Administração Indireta da Prefeitura de Belo Horizonte. O problema neste concurso era a forma de identificação do deficiente: no primeiro momento, apenas marcamos um “x” na opção “Deficiente”. Como em todos os concursos, a classificação inicial, com os candidatos aprovados, incluía os deficientes. Após, houve a publicação no Diário Oficial do Município para que os deficientes apresentassem seus laudos médicos à direção do concurso. E só então era publicada a classificação dos deficientes. Infelizmente, eu perdi esse prazo. Como eu trabalhava e era, então, um dos diretores da entidade de surdos, priorizava a responsabilidade com a entidade. A perda do prazo para apresentação do meu laudo médico acarretou minha desclassificação. Eu fiz 128,00 pontos e estaria classificado em 2º lugar entre os deficientes. Fiquei extremamente irritado quando percebi que havia perdido o prazo para apresentar o laudo. A convocação para apresentação do laudo médico foi publicada no DOM em 08 de novembro de 2007. O resultado do concurso, com a classificação dos deficientes foi publicado no DOM de 3 de janeiro de 2008. Eu só vi o resultado final. E na classificação final dos deficientes, infelizmente, meu nome não constava, claro!

Mas, a vida continuava. Ainda que muito triste por perder a vaga, reconheci o meu erro: eu deveria ter ficado atento à data de apresentação do laudo médico. E disse a mim mesmo que “se passei em um, passo em outro!”. Sempre muito otimista, mesmo sabendo que a partir do momento que o Decreto 3.298 passou a ser respeitado, a participação dos deficientes em concursos públicos cresceu substancialmente.

É importante ressaltar que os deficientes devem informar que são portadores de deficiência. Lembro-me de uma colega que foi eliminada, embora tenha conseguido excelente classificação. Quando ela nos informou que foi eliminada, pensamos que ela poderia entrar com recurso, mas o advogado foi claro:
- Como deficiente, ela deveria concorrer às vagas dos deficientes.
- Ok, ela concorreu com os “normais”. – está inscrita como candidata de ampla concorrência. – E ela teve uma classificação muito boa! – acho que ela havia passado em décimo quarto lugar.
- Ela é surda, certo? Ou tem deficiência auditiva severa, que pode complicar em algumas situações, como o atendimento de telefone, por exemplo?
- Correto.
- As atribuições do cargo para os candidatos “normais” diz que deverá “prestar atendimento e esclarecimentos ao público interno e externo” e ainda “otimizar as comunicações internas e externas, mediante a utilização dos meios postos à sua disposição, tais como, telefone, fax...” e é aí que a Comissão Organizadora do Concurso vai declarar que ela não está apta para o cargo. 
- Mas como deficiente ela também não estaria!!
- Justamente por isso concorre às vagas de deficientes, onde não poderão exigir que ela atenda ao telefone, por exemplo. Assim como o cego que passa na mesma vaga que vocês e vai utilizar computadores. Só que para os cegos, os computadores terão programas adaptados com sintetizadores de voz. Excepcionalmente para estas vagas haverá modificações no ambiente e nos equipamentos de trabalho, mas não para todos.
Esse debate ocorreu há mais de 10 anos. Mas, ainda hoje ocorrem fatos parecidos, com candidatos deficientes disputando vagas de ampla concorrência. O imbróglio jurídico que tal fato acarreta muitas vezes termina com o candidato perdendo a vaga. As discussões jurídicas acerca deste tipo de ocorrência geram grandes debates, recomendando pois que os deficientes sempre informem serem Portadores de Necessidades Especiais. É óbvio que estou falando de candidatos com deficiências severas, com grande perda motora ou sensorial.

Em 2008 prestei mais um concurso público, desta vez atento à questão do laudo médico. Mas, não era o mesmo critério do anterior, em relação aos deficientes. Deveria marcar a opção “Deficiente”, mas o laudo médico só seria exigido após a homologação e convocação, no momento de fazer a perícia médica da própria Prefeitura. Portanto, foi muito mais tranquilo em relação à isso. Fiquei atento às datas e prazos.
Classifiquei em 1º Lugar na reserva de vagas para deficientes e a Fundação Municipal de Cultura é onde presto serviço até os dias de hoje. Relato sobre isso eu publiquei AQUI, em 2012.

As regras dos concursos públicos, em relação aos deficientes, foram aprimoradas, permitindo que diversas artimanhas utilizadas pelos órgãos públicos para não convocarem os deficientes fossem, pouco a pouco, sendo eliminadas. Essas questões são pouco percebidas pelas pessoas que acreditam que o estado e as leis não devem intervir em benefício das pessoas portadoras de necessidades especiais. Alegam que o mérito é que conta. Esquecem que, deficientes e a classe menos favorecida, índios, negros, pobres, LGBT são constantemente excluídos, embora alcancem aprovação por mérito.