terça-feira, 11 de outubro de 2011

Desculpe, eu não escuto...

Na maioria das vezes, quando uma pessoa me pede uma informação, eu respondo de imediato:
- Desculpe, eu não escuto.
As reações são variadas, com a maioria preferindo deixar pra lá.
Eu almoço próximo a Praça da Estação e depois compro o jornal, sento num dos bancos da praça e leio até o término do horário de almoço. Alguns dos sem-teto que ficam pela praça vez ou outra me pedem dinheiro. Não dou, porque a maioria deles compra bebida com estes trocados. Muitas pessoas pedem informações e eu digo que não escuto.
Uma vez uma garota, 15/17 anos mais ou menos, perguntou:
- Onde tem uma agência de correio aqui perto?
- Desculpe, eu não escuto.
Ela me fitou e repetiu a pergunta, falando mais devagar. Eu peguei a palavra "correio" e automaticamente meu cérebro associou todas as palavras que ela disse e eu entendi a pergunta. Normalmente, confirmo:
- Correio?
- É.
- Na avenida Santos Dumont... não, não, esta é longe. Ali do outro lado da avenida, naquele prédio amarelo.
Ela agradeceu e eu sorri. Legal, ela não se intimidou e foi ao encontro da colega ou namorado. Eu até li nos lábios dela, ela falando ao telefone celular "já estou indo". Namorado marcar encontro em agência de correio é meio estranho, mas eu sou otimista em relação ao amor.
Há os que perguntam onde é rua tal, e pior é quando estou próximo de casa. Pensam que como estou caminhando no bairro, conheço as ruas. Muitos fazem uma expressão de desconfiança quando respondo o "desculpe, eu não escuto", porque para muitas pessoas continua a associação errônea de surdez com mudez. Há os que não se incomodam com minha resposta e mostram o papel com o endereço que procuram.
Certa vez um jovem de uns 30 anos perguntou alguma coisa que eu não entendi nada, porque ele já estava terminando de falar enquanto eu começava a fitá-lo.
- Desculpe, eu não escuto - eu disse, baixando o jornal.
Ele era simples, com um bigodinho de galã de cinema, com a expressão que denota ingenuidade. Estranhamente ele não se afastou e repetiu novamente (quando a pessoa vai repetir o que falou antes, eu me esforço ainda mais para entender alguma coisa).
- Tem um banco Itaú aqui perto?
Eu entendi e respondi:
- Lá na avenida Santos Dumont.
- Essa não serve. Eu fui lá, mas o moço falou que não pode ser lá. Que eu tenho que ir em outra agência.
Peguei alguma coisa do que ele disse. Uma vez que começa um diálogo é mais fácil entender o que vem a seguir. Se ele estava falando de banco, claro que a sequência da conversação seria banco, agência, caixa, etc, todas as palavras relativas a banco meu cérebro disponibiliza para compreensão da conversa. Igual quando perguntam algo do metrô, eu já estou preparado para palavras tipo nome das estações do metrõ mais próximas, onde está a entrada da estação, onde o metrô vai, etc, etc.
Achei estranho que o caixa do banco simplesmente o mandasse procurar outra agência:
- Se não te atendeu lá, em outra agência também não vai te atender.
- O moço do banco falou prá procurar esta agência aqui do papel - e me mostrou um papel com timbre do TRT, com o endereço da agência.
Dei uma rápida olhada no papel (eu leio rápido) e disse:
- Você tem que ir na agência da avenida João Pinheiro.
- Está longe?
- É uma boa caminhada, mas pegar ônibus não vai adiantar nada. Ônibus daqui para lá é mais complicado ainda. Suba a avenida Amazonas, peque a Afonso Pena e quando você estiver em frente ao Parque Municipal pergunte onde é a avenida João Pinheiro.
Ele me agradeceu, sorrindo e já estava indo quando eu resolvi chamá-lo.
- Rapaz! - ele se voltou e eu disse - Não mostre este papel para ninguém. Se você for pedir mais informações peça a um guarda municipal ou policial militar.
- Porque?
- Este seu papel aí está falando que você tem direito a uma indenização de mais de R$2.000,00. Portanto, só pergunte onde é a avenida João Pinheiro. Pessoas mal intencionadas podem te seguir e tentar te roubar.
Ele fez uma cara de espanto. Acho que nem sabia muito bem o que era indenização. Pelo pouco que li do papel, era uma indenização trabalhista.
- Muito obrigado, seu moço!

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