domingo, 3 de abril de 2011

INES, inclusão, Libras, oralismo - diversidade surda.

Surgiu a notícia que o INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos e o IBC - Instituto Benjamin Constant (para cegos) seriam fechados até o fim deste ano. Assunto polêmico que envolveu a comunidade surda. O MEC nega que tal medida será tomada. A inclusão para os portadores de necessidades especiais (o politicamente correto para "deficientes") e as escolas especiais convivem harmoniosamente (pelo menos é o que dizem). Eu passei por ambas escolas. Até os 12 anos e meio, estudei na Escola Normal de Formiga e após a surdez, no Instituto Santa Inês, especializado para surdos, adendo do Colégio Monte Calvário. Quando eu terminei o ensino fundamental, tentei a inclusão (naquela época sequer pensavam nisso) em Formiga. No primeiro horário, como minha mãe explicou à professora que eu era surdo, tudo bem, a professora pediu para eu escrever meu nome e só. No segundo horário, a professora desavisada perguntou algo (meu nome, eu não entendi na hora), eu falei que era surdo, ela gritou (pela expressão facial eu sei que ela gritou) e então eu entendi e respondi. Na verdade, hoje eu acredito que ela pensou que eu estava zombando dela, que eu era mais um dos alunos engraçadinhos. Mas, eu fiquei muito angustiado e temeroso das demais aulas. Assim, quando terminou o horário e antes que o outro professor entrasse eu fui embora e não voltei mais. Só voltei a estudar quando, trabalhando na Secretaria Municipal de Educação, soube que a Escola Estadual José Bonifácio abriu salas de Ensino Médio para surdos, com intérprete. Na minha sala (1º ano) tínhamos uma "inclusão ao contrário", pois a maioria eram surdos e a minoria (uns 3 ou 4 alunos) eram ouvintes. Na outra sala (2º ano) eram somente surdos. Esta forma de inclusão é uma das propostas atuais: salas de deficientes em escolas "normais", com a convivência entre todos nos momentos escolares, recreio, excursões, etc. O intérprete na sala tornava as aulas, para mim, satisfatórias. Eu sou bastante partícipe das aulas, perguntador, questionador, sempre com um "peraí, professor, isto não vai dar certo...." ou aos professores de história e geografia, "qual o valor disto na história, ou na geografia?". Por isso eu não me sairia muito bem numa sala inclusiva em que eu fosse o único surdo. Ficaria sim, intimidado, eu, que já sou tímido, ficaria também inseguro, pois sendo a maioria ouvinte, eu não saberia o que estariam comentando.
Foi ali, na E.E. José Bonifácio que tivemos bons momentos de inclusão com os ouvintes, quando a turma do 2º ano fez uma apresentação caracterizada sobre costumes de países, no pátio da escola. Os alunos ouvintes aplaudiram entusiasticamente os surdos, pela apresentação. E quando o professor de química juntou a minha sala com uma de ouvintes, para aplicar uns exercícios. Alguns de nós, surdos, mostramos nossa capacidade, resolvendo exercícios no quadro bem mais rápido que os ouvintes.
A polêmica maior foi com a professora de português, que percebeu que era muito complicado aplicar os exercícios gramaticais. Ela quis dar exercícios de primeira série, para que os alunos aprendessem a utilização correta dos artigos, pois acreditava que eles ainda iriam escrever como eu e alguns colegas. Mas, eu, o José Daniel e o Elton (auxiliados pela intérprete) explicamos que a nossa primeira língua era o português e a segunda a Libras. Os demais surdos, a primeira língua era a Libras, a segunda o português. Portanto, textos tipo "neném minha bonita nome Mariana" são consequências da Libras como primeira língua e embora não siga as regras corretas de sintaxe, está certo, de acordo com a Libras. Porque a Libras é uma outra língua, tem sua sintaxe própria, não usa artigos.
A inclusão esbarra principalmente neste fato: surdos que têm a Libras como primeira língua, não têm facilidade com o português. Português se torna um martírio para eles. Entro então, numa área bastante polêmica, que é a diversidade surda, que deve ser considerada para cada surdo, quando da sua iniciação escolar. Há surdos com facilidade para aprenderem a leitura labial, a inclusão em uma escola de "normais", sem auxílio de intérprete, só com a explicação ao professor de que este aluno necessita que fale de frente para ele. Estes surdos, chamados oralizados, enfrentam grandes dificuldades também, mas aprendem o português, falam (ainda que a dicção não seja 100%) e escrevem corretamente. Conheci alguns destes surdos, alguns que aceitam a Libras, mas que não a utilizam. Outros que são totalmente contra, levando a sério a recomendação dos oralistas, de não utilizar esta língua de forma alguma. Eu sou bilingue (português e Libras), aceitando a diversidade, tendo amigos surdos profundos, oralizados, surdos que sequer têm uma língua reconhecida (os surdos mímicos, analfabetos). Os especialistas em ensino educacional para deficientes e defensores da inclusão precisam avaliar melhor a grande diversidade da comunidade surda. Como eu disse, há crianças surdas que têm facilidade de aprender através do oralismo, outras não. Educadores dizem que os surdos devem ter contato com a Libras desde a infância, outros dizem que não. Como eu conheço surdos que não usam/nunca usaram Libras, e estão estudando em faculdades, sem quaisquer problemas, então, não posso condenar os pais, que insistiram desde pequenos para que eles aprendessem o português e a leitura labial (oralismo). Mas, repito, nem todas crianças surdas têm esta capacidade/facilidade e temos que respeitar isso. Imposição é o pior método educacional que existe. Da mesma forma, são muitos os educadores que defendem que os surdos podem/devem ser educados com a Libras. Também conheço surdos que sempre foram educados com Língua de Sinais (Libras é uma denominação bastante recente), suplantaram todas as dificuldades, cursaram faculdades, formaram-se, defendendo sempre o direito de utilizar a Língua de Sinais.
INES - Rio de Janeiro-RJ (foto de O Globo on line)
O INES faz parte da história e da cultura surda. Tem 154 anos... e lá ocorreu a resistência dos surdos contra a proibição da Língua de Sinais (decretada pelo Congresso de Milão em 1880), com os surdos continuando a usar a língua de sinais escondidos. O INES, assim como outras entidades de surdos espalhadas pelo Brasil, fazem parte da cultura surda. O anúncio de seu fechamento repercutiu na comunidade surda, originando debates, abaixo assinados, audiências públicas (no Rio de Janeiro). Recentemente o MEC informou que não cogita o fechamento da entidade. (leia reportagem de O Globo - clique aqui)
 Eu utilizo a Libras desde quando ela era chamada simplesmente de Língua de Sinais. Reconheço a luta empreendida pelos surdos em defesa desta língua, da batalha pela reserva de vagas em universidades, dos intérpretes em salas de aula. Luta que se estendeu durante muitos anos e que possibilitaram diversas conquistas. Lutaram muito também para o reconhecimento oficial da Língua de Sinais brasileira. Somente em 24 de abril de 2002 que o presidente da República sancionou a Lei 10.436, regulamentando a Libras como língua oficial dos surdos, em nível federal.


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