quarta-feira, 18 de abril de 2012

A surdez como aliada - I

Nunca procurei fazer o tipo coitadinho, que perdeu a audição e sofria os revezes da vida. Sofrer, é claro que sofri, mas sempre batalhei para superar as dificuldades que a surdez causa. Sofri muito sim, porque entrei no Hospital Santa Marta em Formiga, ouvindo e acordei no Hospital Infantil João Paulo II (antigo Centro Geral de Pediatria), aqui em Belo Horizonte, surdo. O modo de vida que eu levava era o considerado normal: eu ouvia, conversava, dialogava, sem problemas. E de repente tudo isso foi modificado.
Procurei sempre trazer o problema da minha deficiência a meu favor. Fazia muito mais o tipo deficiente/inteligente/feliz do que o tipo deficiente/triste/melancólico. Muitos dos amigos sentiam orgulho em explicar aos que se espantavam com minha surdez, que eu era capacitado a discutir qualquer assunto e me envolver em qualquer debate. Para as pessoas “normais” era um espanto eu, jovem, surdo, mas com capacidade para entender diversas questões complexas. Como eu já relatei em outros posts, quando eu trabalhava na gráfica eu era bastante popular entre os colegas, devido justamente à minha alegria e inteligência. Lembro do meu ex-chefe, o Josué, rindo na hora do almoço, quando conversava com os ajudantes, Miltinho e Geraldo e eles não acreditaram em algo que ele disse. Eu estava passando e ele me chamou e perguntou sem mais delongas:
- O que é paralelepípedo? – ele sabia o alfabeto dos surdos e rimos devido à enorme palavra.
- Pedra de calçamento. – respondi. – Parece um tijolo, só que de pedra, muito usado para calçar ruas, principalmente no interior.
Aí ele se voltou para o Miltinho e o Geraldo, que estavam boquiabertos:
- Eu não disse que era isso? Vocês estavam pensando que eu inventei a palavra... O Jairo sabe mais que vocês dois juntos!!
Eu fiquei espantado que eles não soubessem o que era paralelepípedo. Tudo bem, eles eram jovens, vinte e poucos anos. Mas, mais espantado fiquei quando o Josué disse que o Sr. Moacir também não sabia o que era paralelepípedo. O Sr. Moacir trabalhava no setor de manutenção. Tinha conhecimentos sobre engenharia mecânica, sabia fazer uma ferramenta ou peça para as máquinas. Mas, não sabia o que era paralelepípedo.

(continua)

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