quinta-feira, 12 de abril de 2012

Meus tempos trabalhando em gráfica - III

Do grupo de colegas que gostavam de beber e jogar sinuca, o César era o que mais apreciava minha companhia. Também me confidenciava muita coisa. Aliás, muitos me confidenciavam segredos. Eu era o surdo que mais "ouvia" grande parte dos companheiros. O César era casado, mas apaixonado por uma das brochuristas. Esta brochurista tinha namorado, mas era apaixonada por um dos cortadores gráficos. Era igual a "Quadrilha" de Carlos Drumond de Andrade: César amava a brochurista, que amava o cortador, que amava a recepcionista que não amava ninguém... Eu tinha conhecimento de todos esses amores ocultos, porque todos eles, inclusive a brochurista, me confidenciaram seus sentimentos. Cheguei a ir no apartamento do César, conheci a esposa dele. Tomamos uma cerveja e comemos bife que a esposa fritou na hora. Lembro dele me apresentando para a esposa:
- Esse é o Jairo, de quem eu já lhe falei muitas vezes. Companheiro de sinuca e cerveja.
Depois o César lembrou do dia que cheguei no bar, cumprimentando todos alegremente. E foi o próprio César que disse:
- Chegou o nosso amigo do coração!
- Você também está aqui no cantinho do meu coração! - eu disse.
- No cantinho? - perguntou o César - Por que não no coração todo?
- Porque é no cantinho mesmo, César. No coração estão aqueles que passam, desaparecem, não são lembrados. No cantinho estão aqueles que ficam para sempre, mesmo depois que não estamos mais juntos, pessoas que realmente importam e que nunca esqueceremos.
Lembro que ele riu e disse:
- É por isso que eu gosto deste cara.
Ele era muito bom na sinuca, principalmente no sinucão (mesa grande). Dificilmente eu conseguia vencê-lo no sinucão. Na mesa comum eu ainda conseguia equilibrar o jogo, mas mesmo assim era muito difícil. Em conversas regadas a cerveja, ele me disse que pela brochurista largaria a esposa. Mas, a brochurista não lhe dava a certeza de que aceitaria isso e então ele ficava na dúvida. Nunca disse que a brochurista já me confidenciara que considerava ele um amigo e que gostava mesmo é do cortador. Esse era o problema de ser confidente de triângulos amorosos. Sabia da verdadeira paixão de todos e não podia ser indiscreto. Mas, muitas vezes eu disse ao César:
- Bobagem. Esqueça a brochurista. Se o caso de vocês fosse realmente uma paixão incontrolável, vocês já estariam juntos há tempos. No fundo, você gosta de sua esposa e não vai deixar o certo pelo duvidoso.
Intimamente eu ria, pois eu sabia qual era o certo e o duvidoso.
Ele era do setor de rotativas. Não trabalhávamos juntos, éramos colegas de trabalho. Ele se tornou chefe do setor de rotativas, no segundo turno. Passamos muitos meses no desencontro. Quando ele estava chegando para o trabalho eu estava saindo. Mais ou menos uns oito meses depois os superiores resolveram modificar novamente os chefes setoriais. E meu amigo foi informado que voltaria a ser apenas operador de rotativa. Mas, ele mesmo me contou, numa mesa de bar, tomando nossa cervejinha gelada, que não aceitou este fato. Insistiu que, se o promoveram a chefe, ele deveria continuar como chefe. Os superiores se mantiveram irredutíveis e o César tomou a decisão: ou chefe, ou demissão. Claro, a corda arrebentou do lado mais fraco e ele foi demitido. Ele se afastou do pessoal da gráfica. Vez ou outra a gente ainda tomava uma cerveja e jogava sinuca. Até que nem isso ocorria mais e cada um seguiu seu rumo (eu também saí da gráfica). Mas, como eu havia dito, no cantinho do coração ficam as pessoas que realmente fazem parte da nossa vida, pessoas que jamais serão esquecidas. O César faz parte deste seleto grupo.

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