sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Deficiências...

Amigos da minha esposa e de minha cunhada fizeram um churrasco no quintal, que era compartilhado por ambas famílias, em um dos tantos endereços que moramos. Todos ouvintes, mas a maioria aprendeu logo a conversar comigo e quando eu não entendia alguma coisa, pediam socorro à minha esposa. Tomando cerveja, saboreando carne assada e jogando conversa fora. De repente, minha sobrinha pede minha atenção:
- Tio Jairo, coloca um jogo no videogame para mim.
Ela teve que repetir, pois não entendi nada. Minha esposa deu as "instruções" de falar só uma palavra e depois completar com o que deseja em relação à esta palavra (minha esposa soprou que eu perguntaria).
- Videogame! - diz minha sobrinha.
- Que que tem o videogame? - hehehe, minha esposa é experiente.
- Colocar um jogo para mim.
Fui lá e coloquei um jogo. Ela começou a jogar com o filho de uma das amigas convidadas. Volto para minha cerveja, o pessoal comenta que tenho uma paciência com "estes meninos enjoados". Logo depois o amigo da minha sobrinha é quem pede minha atenção:
- Você tem jogo de corrida?
- Heim? - não tinha nem olhado para ele ainda e ele já tinha falado. Minha esposa explicou para o garotinho que ele tinha que esperar eu olhar para ele primeiro, para só então falar.
- Você tem jogo de corrida?
- Tenho, eu gosto de jogo de corrida. Você já jogou Gran Turismo?
- Já! Meu colega tem esse jogo.
Uma vez que a conversação girava em torno de games, eu entendia facilmente o que ele estava falando, pois meu cérebro, já sabendo o tema, facilitava a leitura labial.
- Eu gosto de jogo de corrida e de futebol. - eu disse.
- Você coloca o jogo de corrida para mim?
- Está bem, vamos lá.
Fui colocar o jogo de corrida para o garoto, joguei um pouco com ele, rindo porque ele era ruim. Minha sobrinha alugando o garotinho porque ele não conseguia me vencer.
Volto para a cerveja e desta vez é a mãe do rapazinho que conversa comigo:
- Você realmente tem paciência com as crianças, não é, Jairo?
- Normal, ainda mais por causa do videogame, que eu jogo muito.
- O Beto (o garotinho) também gosta, mas eu não permito que fique direto no videogame.
- Quantos anos ele tem?
- Sete. Sabe, ele tem um problema... mas me deixou espantada agora.
- Que problema?
- Ele gagueja. Mas, quando ele estava conversando com você ele não gaguejou.
- A conversa toda? - eu me espantei, afinal, como eu sou surdo, nem poderia imaginar que o garotinho gaguejava.
- Sim! Durante toda a conversa com você ele não gaguejou nenhuma vez.
Eu ri.
- Não tenho uma explicação lógica, mas talvez, justamente por me ver como deficiente, ele se sentiu seguro e não gaguejou. Instintivamente percebeu que há pessoas com problemas ainda mais sérios que o dele. Ao lidar comigo, deficiente, ele ganhou segurança.
- Talvez.. É muito raro ele não gaguejar.
Este fato ocorreu cinco anos atrás. Não sei mais do garotinho. Espero, sinceramente, que ele tenha superado a gagueira. Ficou o espanto da mãe dele - e meu, depois que fiquei sabendo que ele gaguejava - pelo simples fato de não gaguejar no momento que conversava com um surdo.

Pesquisando sobre gagueira, que é uma patologia da fala, li as sugestões para que a criança ganhe confiança e pare de gaguejar e me espantei com uma das sugestões que é "olhar nos olhos da criança quando ela estiver a falar". Eu ri, porque sendo surdo e durante uma conversação, obrigatoriamente eu tenho que manter o olhar fixo no rosto da pessoa. A gagueira não é bem uma deficiência, embora muitos a classifiquem como "deficiência da fala".

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