domingo, 1 de dezembro de 2013

Química de aprovação

 Daniel reclama:
- Ah, não, Jonathan, química está difícil demais.
- É das matérias que eu não gosto, além de Física.
- Não sei para que a gente tem que aprender essas coisas difíceis de Química. O básico já era suficiente. Saber uma ou outra coisa de Química, conhecer a Tabela Periódica.
- Verdade, Daniel Eu até acho muito interessante algumas coisas, mas aqueles desenhos complicados representando alguns componentes químicos, arre, não tem cabimento!!
- Pelo menos você está com boas notas. Eu, se ficar em recuperação, não vou voltar para fazer as provas em dezembro.
Estávamos com os boletins sobre as carteiras, as somas até o terceiro bimestre.
- Preciso de 12 pontos no quarto bimestre. Quanto você precisa?
- Você somou aí “de cabeça”, só olhando os números? – ele riu muito – Eu não consigo isso não, tenho que somar no papel. – escreveu as notas e somou. – A complicação são as notas com vinte e cinco, meio ou setenta e cinco centésimos. – verificou o total e reclamou – Droga!! Vou precisar de mais 15 pontos. Menos que isso e estarei de recuperação.
- O professor disse que hoje dará uma provinha, valendo 10 pontos, para fecharmos o bimestre. Se eu consigo os 10 pontos, passo direto, porque tirei  8 na prova. Quanto você tirou na prova?
- Nem queira saber... não vai dar mesmo!!
- Quanto Daniel?
- 3! Mesmo eu conseguindo os 10 hoje, é recuperação na certa.
- Porque você não quer vir fazer a prova de recuperação? Vai perder o ano de estudo, o diploma e tudo, só porque não quer fazer esta prova?
- Meu pai precisa de ajuda no interior, com a criação de avestruzes. Eu tenho que viajar agora no princípio de dezembro. Vou para Carangola e de lá para uma fazenda no interior. Não tem como voltar a tempo. Se eu não for agora, perdemos tudo, pois os prazos para o abate não podem ser estendidos. Meu pai não consegue se virar sem minha ajuda.
- Vamos ver... talvez o professor te dê um bônus e pronto...
Mas, sabíamos que o professor de Química era muito rigoroso com as notas, era só verificar os boletins com notas com centésimos.

O professor adentra a sala, inicia a aula informando que a provinha seria em duplas e receberia pontuação diferente.
- E qual seria a diferença? – perguntei.
- Serão 20 pontos distribuídos para a dupla.
- Quem “fechar” a prova será beneficiado com mais pontos se o outro errar?
O professor riu, me apontando:
- Isso aí, Jonathan, você entendeu o espírito da coisa...
O Daniel não perdeu tempo e formou dupla comigo. A provinha tinha cinco questões, difíceis, como sempre eram as questões de Química. Mas, o conteúdo era recente. Duas semanas atrás tivemos aula sobre a matéria em questão. Em dupla, podíamos consultar o colega sobre dúvidas, mas cada um tinha que fazer sua própria prova.
Já estávamos para terminar a prova quando o Daniel pergunta:
- Jonathan, hidrólise é a quebra por hidrogênio, certo?
- Não! – respondi. – Por água.
- Beleza. Afirmativa falsa, então.
Entregamos as provas. O Daniel reclama:
- Não vai adiantar muita coisa, pois se nós dois fechamos a prova, nós dois ficamos com 10 pontos cada e eu atinjo só os 13 pontos. Ficam faltando 2.
- Paciência. – eu disse.

No final do bimestre o professor de Química informa que apenas dois alunos ficaram em recuperação. O Daniel me olha, meneando a cabeça e pergunta para o professor:
- Professor, tem alguma forma do senhor antecipar a prova de recuperação?
- Qual seu interesse nisso, Daniel?
- Acho que não vou poder fazer a prova em dezembro.
- Mas, você não ficou de recuperação!
- Não?!?
- Não. Você passou com a pontuação necessária.
- Mas... mas...
O professor se encaminhou para os alunos que deveriam fazer as provas de recuperação. O Daniel me encarava, espantando.
- Como é que...
Eu ri:
- Não me olhe desse jeito, não sei o que aconteceu. Se o professor falou que você não está em recuperação, você não está. Eu também não estou. O importante é que passamos e você terá seu diploma, podendo se preocupar somente com seu pai e a fazenda.

Anos depois encontro com o Daniel numa loja de roupas, aqui em Belo Horizonte. Trocamos abraços efusivos. Contamos as novidades, os filhos já crescidos, ele com uma nova esposa.
- Ela é nova mesmo. – ele riu – Ela tem dez anos menos que eu.
Ele diz que já é avô, a filha do primeiro casamento já tinha duas filhas. Avô aos cinquenta e poucos anos. A esposa entrou no provador com algumas roupas e ficamos lembrando os bons tempos.
- Jonathan, nunca te agradeci pelo que você fez na época que estudamos juntos.
- Não sei do que você está falando, Daniel...
- Qual é? – ele riu – Eu te disse que não sou bom de matemática. Também não tive raciocínio rápido para entender o que você “sacou” imediatamente quando o professor disse que eram 20 pontos para a dupla. Mas, no último dia de aula eu perguntei ao professor como eu tinha conseguido 12 pontos, se eu e você fechamos a prova e cada um ganhou 10 pontos. Ele me explicou que você ganhou 8 pontos, errou uma questão e que eu ganhei os dois pontos com seu erro. Então eu perguntei se o professor lembrava qual questão você errou. Ele lembrou; disse que era uma fácil, sobre hidrolise e que você deveria ter se confundido.
Foi minha vez de rir muito.
- Eu me confundi mesmo... hidro, hidrogênio... caí na pegadinha da questão...
- Conversa fiada, Jonathan! – ele estava rindo também – Foi justamente esta questão que você me esclareceu a resposta certa.
Ele me abraçou, afetuosamente.
A esposa dele retornou, conversamos mais algumas coisas e nos despedimos.
- Não vou esquecer o que você fez!
- Ora, para que servem os amigos?

Os nomes não são verdadeiros.
Tenho orgulho de ser amigo dos envolvidos nesta história.

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