segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O alvo

A festa transcorria alegremente, minhas amigas já estavam na pista de dança, prontas para soltar o grito de “Feliz Ano Novo!”. Eu continuava sentada solitariamente na minha mesa. Nenhum dos rapazes se aproximava. Nenhum me convidava para a pista de dança. Embora uma das minhas amigas me chamasse para a pista, eu não queria estar entre ela e o namorado. Muito ajuda quem não atrapalha. Célia, Lúcia, Cláudia, todas foram convidadas para a pista de dança. Namorados ou colegas da firma as escolheram e me descartaram. Eu até gostava do Marcos, mas ele estava lá, quieto e arredio, do outro lado do amplo salão de festas. Ele era tímido e não se aproximava mesmo. O cabelo arrumado no capricho, quase duas horas no salão, maquiagem, perfume, anéis e brincos, tudo para ficar bonita e produzida e nada! Lá estava eu, solitária, na mesa, bebericando vinho. Até vesti o tradicional, roupa branca, minha blusa branca, na esperança de que o ano se iniciasse mais alegre, que cobrisse um pouco da tristeza do ano anterior. Como a vida é um bocado complicada quando nos encontramos sozinhas e largadas numa festa. Ainda mais numa festa de fim de ano... 
Percebi que o Marcos também estava sozinho e pensei porque o idiota não se aproximava. Eu já tinha sorrido, balançado a cabeça num cumprimento tosco e nada. Ele era bonito e seria uma companhia agradável para uma noite em que, no meio de tanta gente, eu me sentia solitária. Eu até sentia uma pequena atração por ele, mas, esperava que ele desse o primeiro passo.  Mas, os homens hoje em dia ou são ousados demais ou ficam igual o Marcos, olhando e desviando os olhos igual um pateta. No momento que nossos olhares se cruzaram novamente, dei o meu melhor sorriso e levantei a taça de vinho num brinde mudo. Ele também sorriu e levantou a taça de vinho. Mas, não veio até minha mesa. Que idiota!! Cruzei e descruzei as pernas, sorri, joguei o cabelo para trás, lancei olhares lânguidos e nada. Voltei minha atenção para o rapaz da banda que se apresentava, um loiro alto que cantava com paixão. Já estava pensando que era melhor mudar o foco para o loiro quando percebi, pelo canto dos olhos, que o Marcos, enfim, se aproximava.  Ele veio com a taça de vinho quase transbordando, meio temeroso, mas com um sorriso nos lábios. Ensaiei um sorriso receptivo, desanuviado, mas quando ele contornou a mesa, tropeçou e desequilibrado, derramou meia taça de vinho na minha blusa branca. Quase solto um palavrão! Quase o chamo de filho da... Meu Deus!! Meus olhos fuzilaram o idiota do Marcos que, sem reação, só gaguejava:
- Des.. des.. descul... cul ... pe...
Não acredito! Minha blusa branca mostrava a mancha enorme do vinho. Parecia um alvo de tiro. Minha vontade era pegar minha taça e jogar o resto de vinho no idiota do Marcos, mas me contive. Ele gaguejou “desculpe” novamente e se afastou. Sumiu do outro lado da pista e, realmente, era o melhor a fazer, antes que eu tomasse uma atitude drástica. Com a blusa branca em forma de alvo, já estava pensando em como ir embora da festa sem passar mais raiva. Como eu podia acreditar que tinha interesse num idiota tão desastrado? Minhas amigas sequer perceberam o que aconteceu e continuavam felizes e dançando com seus pares. O vinho formou um belo alvo na minha blusa branca. A vontade era sumir, mas apenas deslizei um pouco mais na cadeira, escondendo a bendita mancha de vinho. As horas voavam. Trinta minutos após o desastrado ter estragado minha noite, o pessoal já se animava, preparando a contagem regressiva.
O idiota do Marcos está voltando novamente. Não tem perdão. Além de tornar minha blusa branca um alvo, tinha se afastado sem sequer se desculpar normalmente. Aquele desculpe gaguejado horrivelmente, não era desculpa. Pelo menos desta vez, para evitar outro desastre, ele chegava sem copo de vinho. Trazia um embrulho nas mãos e falou, sem gaguejar:
- Isto é para perdoar meu estilo um pouco desajeitado...
Um pouco? Quase o questionei, mas achei melhor ficar calada.
- A atendente da loja insistiu para embrulhar em papel de presente, embora o Natal já seja passado. Vale a intenção. Espero que me perdoe.
Abri o embrulho e me deparei com uma linda blusa branca. Parecida com a que eu usava, mas com a gola rendada. Instintivamente olhei a etiqueta e o tamanho. M. Que bom, ele não me considerava nem muito magra, nem gorda. 
- Vá ao banheiro e troque de blusa. Eu te aguardo aqui mesmo, sem nenhum copo de vinho nas mãos.
De repente eu estava sorrindo, feliz. Não tinha como apagar da mente o tanto de vezes que chamei o Marcos de idiota, mas, agora ele subiu no meu conceito. Vesti a blusa com alegria e agradeci ao regime severo de meses atrás. A blusa parecia sob medida. Pelo menos o bom gosto e avaliação de tamanho do Marcos eram bastante satisfatórios.  Aproveitei para retocar a maquiagem, pentear o cabelo, treinar um olhar sedutor e um sorriso cativante. Dessa vez ele merecia. Voltei e parei diante dele, do outro lado da mesa, como quem pergunta “como estou?”. Marcos sorriu:
- Eu sabia que a blusa combinaria com você e sua beleza.  – ele levantou as mãos vazias e disse – Pode se aproximar; não estou com copo de vinho nas mãos.
O pessoal começou a contagem:
- 10... 9... 8... 7...
Dei a volta à mesa e me aproximei dele. Ele pegou minhas mãos.
- Se você não se importar, gostaria de ser sua companhia neste momento mágico.
- 6... 5... 4...
- Podemos ir para a pista de dança, ou simplesmente sentar e conversar porque, como eu já disse e você já percebeu, sou um bocado atrapalhado...
Suas mãos, segurando minhas mãos, transmitiam a magia do momento, a alegria da companhia.
- 3... 2... 1...
- Feliz Ano Novo!!

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