segunda-feira, 19 de março de 2012

Tanto leio que surpreendo...

Em 1985 não havia a magia do closed caption e quem me auxiliava no entendimento das notícias era a pessoa do meu lado, notadamente um dos meus familiares. Surge no noticiário o nome e a fotografia de Orson Welles acompanhado de um "a seguir". Pergunto à minha irmã que estava do meu lado no sofá:
- O que houve com ele?
- Morreu, mas nem sei quem é este homem...
- Ele era cineasta. Uma vez ele narrou, pelo rádio, a invasão dos Estados Unidos por naves alienígenas e as pessoas acreditaram. A narração foi tão real que muitas pessoas chegaram a abandonar cidades. Era apenas uma novela radiofônica.
Minha irmã me encara, desconfiada. Fez uma cara de "faça de conta que eu acredito" e continuou a assistir o jornal. Quando entra a reportagem sobre o falecimento de Orson Welles ela começa a rir sem parar.
- Que foi? - pergunto, espantado.
- O repórter acabou de falar a mesma coisa que você me falou!!

Assistindo com meu filho o seriado Two and a half Men (nos dias de hoje, com legendas), o personagem Alan (Jon Cryer), diz ao porteiro da boate que é Matthew Broderick. Eu começo a rir, mas meu filho faz uma careta, levantando os ombros:
- Não entendi...
- É porque ele é a cara do Matthew Broderick. Parece muito com ele. Você não sabe quem é o Matthew Broderick?
- Não.
- O filme mais famoso dele é "Curtindo a Vida Adoidado". Já assisti outros filmes com ele, tem um junto com o Danny DeVito, esqueci o título, Natal Luminoso ou coisa assim. Eu já tinha percebido que ele parece mesmo o Matthew Broderick.
Logo depois o dono da boate se dirige ao personagem Alan e diz:
- É uma honra ter você aqui, Matthew. Mas, faltou alguns filmes na sua carreira, como "Curtindo a Vida Adoidado II".
Eu e meu filho gargalhamos ainda mais pela coincidência do que eu falei antes.

Na época em que trabalhava com os surdos, solicitei ao nosso intérprete que acompanhasse um dos nossos colegas, que tinha um problema sério de visão. Falei que ele devia insistir com o médico que o problema do colega surdo não era simplesmente receitar novos óculos. O exame deveria ser mais detalhado, com relatórios, para fins de aposentadoria do colega surdo.
Quando o intérprete voltou, estava me contando:
- O médico realmente disse que ele não tem mais condições de trabalhar. Que a visão dele está 90% prejudicada. Que ele enxerga somente o que se encontra à frente. Não tem mais visão para os lados. Ele falou um nome esquisito desta doença, drame, drome, sei lá o que...
- Síndrome de Usher! - eu disse.
O intérprete me fita, espantando:
- Caramba! É isso mesmo que ele falou! O que é isso, afinal?
- É o problema de muitos dos nossos colegas surdos. O arco da nossa visão tem 180º. Mesmo olhando para a frente, percebemos as coisas dos lados. A Síndrome de Usher reduz este arco, gradualmente, de ambos os lados. O arco vai se fechando cada vez mais e os mais severos têm somente a visão à frente, em linha reta. É uma síndrome genética, causadora justamente da surdez e cegueira. A criança que nasce surda pode ter a síndrome, mas como ela é progressiva, não é perceptível. Por isso, desde pequena, a criança surda deve fazer exames específicos para detectar se sofre desta síndrome.
- Você está repetindo o que o médico me falou.
- Há muito tempo atrás, quando percebi que entre nossos colegas surdos havia mais de 10 com este problema de visão, passei a pesquisar sobre isto. - na época a internet ainda estava engatinhando. - Minha primeira preocupação era que se o problema atingia os surdos, alguém deveria dar o alerta. Depois de muita leitura e pesquisa encontrei os esclarecimentos necessários e a informação de que a doença era genética, descartando a possibilidade dela afetar todos os surdos. Eu e muitos outros, ficamos surdos por causa de meningite; outros por causa de rubéola; caxumba; etc, não seríamos afetados por esta síndrome.
Infelizmente, a Síndrome de Usher não tem cura.

Eu já disse em textos anteriores que quando eu fiquei surdo, passei a ler tudo que caía em minhas mãos. Lia até as revistas de fotonovelas (muitos sequer sabem o que é isso!!), que se eram umas historietas água-com-açúcar, pelo menos ensinavam como lidar com as mulheres....
Fotonovelas eram histórias em quadrinhos de romances, com fotos ao invés de desenhos.

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