quarta-feira, 18 de maio de 2011

Como é que você fala?

Eu apelidei o Jáder de Janela, porque ele gostava de sentar perto da janela. Isto, desde o 1º ano (que depois se tornou 1ª série) e ele foi meu colega até o início da 6ª série, quando fiquei surdo. O Jáder morava na cidade, mas foi criado na roça, um município de Formiga. Aliás, uma vez eu e o meu primo passamos um fim de semana lá na roça com ele, mas isto eu conto depois. Muitas vezes eu, o Jáder e meu primo brincávamos ali na Rua 13 de Maio, perto de onde ficavam os carroceiros. Contando casos do dia a dia, o Jáder soltava:
- Isturdia eu fui pra roça com meu pai num cavalo xucro.
- Isturdia não, Jáder! - apesar de eu tê-lo apelidado de Janela, dificilmente eu o chamava assim - Outro dia!
- Ah, já custumei falá assim... num tem jeito.
Eu e meu primo soltávamos uns "nois", "ocê", mas era bem menos. Minha tia era professora e minhas irmãs também. Então, elas nos corrigiam, numa boa, sem obsessão.
- Mas, pramode nóis voltá, viemos na jardineira.
Eu e meu primo desatamos a rir. Que jardineira? Era como ele chamava o ônibus. Ríamos justamente do certo, pois os ônibus antigos eram chamados de jardineira mesmo.
Que eu saiba, nas redações, o Jáder não escrevia da maneira que falava. Ele era inteligente, conhecia muita coisa dos animais, da roça, que eu e meu primo não tínhamos idéia. Lembro que, anos depois, já adultos, eu estava com uns vinte e tantos anos e conversávamos no bar da esquina. Ele me contando que foi para Brasília e tinha ingressado na Guarda do Presidente. Achei o maior barato, disse que gostaria muito de vê-lo fardado.
- Você usa aquele elmo com um penacho no alto?
- Sim! - respondeu o Jáder, rindo - E a cavalo!
Clique e leia o capítulo polêmico
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Bom, nesta semana leio e vejo reportagens atacando um livro didático que fala justamente sobre isto. Que não é errado falar "nós pega o peixe", pois o que importa é a compreensão da mensagem. É um livro adotado pelo MEC, "Por uma vida melhor" e tem UMA página, entre mais de 400, sobre a fala inadequada, em contraponto com a norma culta. Em nenhum momento o livro diz que a frase está certa, que deve-se ensinar a escrever desta maneira. O livro resgata a língua considerada interiorana e ensina que os alunos não devem ter vergonha de seus pais ou avós que assim falam. Só isso. Mas, a mídia enfia a política no meio, faz o maior escarcéu, procura membros da ABL, escritores, comentaristas econômicos, jornalistas e por aí vai, que dizem ser um absurdo um livro do MEC ensinar a escrever errado. O problema é o de sempre, todos estes especialistas NÃO leram o livro. Opinam de acordo com o que a mídia sopra para eles. E se dizem estarrecidos, abismados! E colunistas e jornalistas dão opiniões e fazem suposições. A mais engraçada que li foi a de que o livro está ensinando a maneira errada de o Lula falar, que é uma intenção do PT louvar os erros gramaticais do Lula. Ah, Dios, não demoraram para enfiar o Lula no meio da história. Depois, descobre-se que desde 1997, com Fernando Henrique Cardoso, já havia livros discorrendo sobre esta mesmíssima polêmica: respeito à língua falada e norma culta para a escrita. Irritante perceber que uma discussão séria como esta desanda para politicagem, só porque tivemos um presidente que falava errado e ainda estamos sob o governo do PT. Haja paciência!

Após as aulas, eu, meu primo e o Jáder voltávamos juntos.
- Quase que o aerowillys me atropelou! - eu disse, após atravessarmos uma rua.
- Também, você olhou só para um lado. - disse meu primo.
E o Jáder:
- Pior foi comigo. Isturdia um carro veio de fasto e quase me pegou.

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