terça-feira, 24 de maio de 2011

Cantando no pátio

Como eu já disse em outros posts, estudei na Escola Estadual José Bonifácio, minha sala era mista, com alguns poucos ouvintes. A do 2º Ano era somente de surdos e algumas salas de 7ª e 8ª série também passaram a ter surdos e intérpretes. Era a inclusão praticada de forma bastante satisfatória, a maioria dos surdos daquela época sempre elogiam a ação da SEE. Realmente, foi uma atitude que favoreceu os surdos, pois proporcionou a possibilidade de concluirmos o Ensino Médio. Também proporcionou a interatividade entre nós, surdos e os colegas ouvintes.
Dia sim, dia não, todos os alunos enfileiravam-se no pátio para cantar o Hino Nacional. Os surdos também, porque a intérprete S., do 2º Ano, nos proporcionava a tradução simultânea na língua de sinais. Ela cantava também, permitindo a leitura labial. Eu e o José Daniel sabíamos cantar e aproveitando a facilidade de acompanhamento, soltávamos a voz. Percebíamos alguns dos alunos ouvintes, que não cantavam, nos observando abobalhados. Até mesmo uma colega ouvinte, da nossa sala, encucada perguntou:
- Vocês dois são surdos mesmo?
- Porque você está duvidando? – ao invés de responder, perguntei também.
- Por que vocês cantam o Hino Nacional direitinho.
O José Daniel respondeu:
- Antes de ficar surdo eu ouvi o Hino Nacional, portanto, não tem nada a ver.
- Praticamente quase tudo que ouvimos – eu disse, complementando – a memória auditiva manteve. Se você está espantada por que acompanhamos a música sem sair muito do ritmo, isto se deve à intérprete, que canta também. Aí acompanhamos o movimento labial, que ela, experiente como é, tem um movimento labial muito bom.
A nossa colega riu:
- Mas vocês não podem negar que é um bocado estranho dois surdos cantando o Hino Nacional melhor que alguns ouvintes.
O Elton entra na conversa:
- Eu também canto, mas os hinos da minha igreja.
O Elton também estudava para ser Pastor.
- Mas você usa aparelho auditivo – disse a colega – e aí eu sei que você recebe os sons. Já o Jairo e o José Daniel não, são 100% surdos. Eles já me mostraram a audiometria deles, um espanto, porque não há nenhum estímulo auditivo.
Também em jogos da seleção brasileira, lá estou eu diante da tv, cantando:
“Ouviram do Ipiranga às margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante....”


A diversidade surda é mesmo um espanto!

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