segunda-feira, 22 de junho de 2015

Um caminhoneiro

Quando fui casar no civil, a moça da firma que fez o favor de telefonar para minha namorada, ao invés de dizer para me encontrar no cartório, mandou que  me encontrasse numa praça próxima. Eu saí do serviço e fui para o cartório. O encontro estava marcado para 17:00 h e já passava de 17:20 h. A Praça do Cartório, em Contagem, naqueles anos era um ponto de caminhoneiros. Então, pedi a um caminhoneiro que ligasse para mim. Era uma pessoa humilde, me encarou e perguntou:
- Ligar para você por que?
- É que eu não escuto e não tenho como usar o telefone.
- Pra falar com quem?
- Com minha namorada, que eu estou esperando aqui no cartório. Ela está atrasada.
Às vezes eu falo de uma forma muito natural, olhando nos olhos das pessoas, elas então compreendem que não estou zombando. Ele pegou o número do telefone e discou.
- Com quem eu devo falar e qual é o seu nome?
- Falar com Hilda. Meu nome é Jairo.
Naqueles bons tempos não havia o celular. A comunicação era única e exclusivamente por telefone fixo. Na rua, através dos orelhões, com ficha DDD.
- Ela atendeu. O que é para falar?
- Diga para ela que estou aqui na porta do cartório esperando! Pergunta se ela não vai vir mais não! - eu ri.
Eu consegui ler nos lábios do caminhoneiro, que tinha um porte físico avantajado, movimento labial bom e na minha imaginação, uma voz grossa e rouca:
- Dona Hilda, o moço aqui do meu lado, o Jairo, está esperando você aqui... nós estamos aqui na Praça do Cartório. Ele está perguntando porque você está demorando. Já é quase cinco e meia e o cartório fecha às seis. Isto, o moço aqui, o Jairo, que está perguntando... Tá bom.
Ele me fitou e disse:
- Ela falou para você esperar que ela já está vindo!
Me devolveu o papel com o número do telefone. Acrescentou:
- Ela disse que estava te esperando na outra praça; por isso que desencontrou e voltou para casa.
- Eu pensei que ela desistiu de casar comigo.
Ele deu uma gargalhada alegre, que eu até parecia “escutar”!
- Ela tá vindo. - reforçou, com uma expressão que tentava me tranquilizar.
Apertei-lhe a mão e agradeci efusivamente.
- Muito obrigado ao senhor. Me ajudou de verdade!
Não perguntei-lhe o nome e no momento em que escrevo isto reclamo da minha falha. Pessoa partícipe do meu viver, apenas uma vaga imagem, uma profissão; nada mais. Mas, é a imagem da solidariedade. De pessoas que não se importam de perder um tempinho para ajudar aqueles que não têm todos os sentidos e atributos físicos perfeitos. Minha então namorada chegou, fomos ao cartório, assinamos os papéis e nos casamos. E um caminhoneiro boa praça fez parte deste momento.

Publicado originalmente em 11/01/2011.

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