sexta-feira, 1 de março de 2013

Coisas banais da vida..


Eu e meu primo estávamos cantando músicas de carnaval. Eu cantei:
“Tava jogando sinuca, uma nega maluca
Me apareceu
Vinha com um filho no colo, dizendo pro povo
Que o filho era meu.
Toma que o filho é seu, olhalá
Leva o que Deus lhe deu!”
Meu primo gostou e como sempre, quando ele gostava de uma música ele se empolgava e ficava cantando a música até falar chega. Tinha uma voz poderosa e minha tia o ouviu lá do quintal. E gritou de lá mesmo:
- P.H.!!! Não pode cantar essa música!!
Era o tempo em que os filhos (e sobrinhos) obedeciam às ordens dos adultos sem contestar nada. Nem eu, nem meu primo sequer perguntamos “porquê?”. Paramos de cantar imediatamente. Em voz mais baixa, meu primo desconta em mim:
- Ih, Jairinho, tá vendo o que você aprontou?
Eu só fiquei no “mas, mas, mas...”, mas não tinha argumento algum para contestar a reprimenda da minha tia. Eu devia ter uns dez anos à época e meu primo, nove. Só muitos e muitos anos depois eu fiquei pensando porque minha tia disse que não podia cantar aquela música. Era uma música de carnaval, cantada nos salões onde íamos brincar o carnaval.
Ficava matutando comigo mesmo que minha tia Madalena reclamou da música porque falava de sinuca. Eu e meu primo não pegamos em taco de sinuca antes de 16 anos. Era proibido para nós, moleques ainda, entrarmos em bar para jogar sinuca. Não, depois eu dizia, não deveria ser isso. Então, eu acreditava que era o fato da “nega maluca” ter um filho que dizia ser “meu”. Os princípios religiosos de minha tia eram bastante rigorosos, o suficiente para considerar um absurdo que o filho cantasse uma música que alegava ser ele pai solteiro, ainda por cima com uma “nega maluca”. Hoje, isto é realmente engraçado, principalmente que na época eu não entendia tanto assim a mensagem da música. Eu e meu primo, na verdade, só achamos a música engraçada. Tanto que meu primo gostou do “olhalá”, que repetia nas duas frases finais e não somente em uma.
Minha tia Madalena faleceu há cinco meses.

Há uns quatro anos atrás, estava com minha irmã mais velha em Areias, no sítio de minha outra irmã. Nós descemos pela estrada asfaltada, rumo a um sítio dos familiares do meu cunhado, marido da minha irmã mais velha.
Lá conversamos com todos, eu conhecia os familiares do meu cunhado, todos sempre me trataram muito bem.
No portão, minha irmã estava conversando com o pai do meu cunhado, o Sr. L. Minha irmã me contava a conversa:
- O Sr. L. está falando que na mata lá na frente, tem um pântano.
- Ele ia muito lá quando era jovem.
Minha irmã gargalha alegremente e me conta:
- O Sr. L. está falando que ele e os amigos iam lá caçar jacaré. – e riu novamente.
Eu li direto nos lábios do Sr. L.
- Você não acredita? – indagou ele, indignado.
Minha irmã, ainda com o riso estampado na face, explica:
- Não, Sr. L., eu acredito sim. É que eu achei engraçado; imaginei agora o senhor caçando jacaré.
O Sr. L. faleceu recentemente.

O irmão de minha amiga desce comigo do ônibus, na rodoviária de Formiga e me chama, educadamente:
- Jairo, você não está com malas?
- Não, T. Por quê? – eu viajava para Formiga em fins de semana e levava mochila com pouca coisa.
- Você poderia me dar uma ajuda?
- Claro.
Eu ia para a R. 13 de Maio e ele morava próximo. Pensei que era uma mala pesada e que ele estivesse pedindo ajuda devido ao porte físico dele, pequenino. Mas, não era questão de peso e sim de quantidade. Ele estava com duas malas e mais umas dez sacolas. De repente pensei que nós dois não daríamos conta de tanta sacola. Demos um jeito e fomos levando.
- Você deveria arrumar um jeito mais fácil de fazer a mudança de BH para Formiga...
- Não tô mudando não... – e riu, ao compreender que eu estava brincando.
Isto ocorreu há mais de trinta anos e só tive notícias dele há poucos dias, então com problemas no coração e na fila para transplantes.
Ele também faleceu recentemente.

Quando as pessoas se vão, desencadeiam lembranças de coisas simplórias do nosso viver. Percebemos o quão pequenos somos diante da vida. Tão frágeis somos, diante da morte. Uma música de nega maluca, um jacaré, sacolas em excesso, são coisas tão simples que fizeram parte da vida de diversas pessoas, inclusive da minha. E percebemos que as pessoas podem marcar nossa vida com coisas banais, simples, mas que justamente por isso, marcam para sempre.

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