segunda-feira, 17 de março de 2014

A importância de saber conversar com os surdos

A atendente da Santa Casa me atende educadamente, explico que sou surdo, ela fala mais devagar e quando não entendo peço para ela repetir. Diz para eu aguardar que logo o médico me chamaria. Porém, mesmo com a explicação de que sou surdo fiquei esquecido, mofando no assento. Ao perceber que as pessoas que chegaram depois de mim estavam sendo atendidas, eu fui até a recepcionista e reclamei:
- Moça, o médico já chamou duas pessoas que chegaram depois de mim.
- Mas, ele já te chamou. Você não ouviu?
- Eu lhe disse que sou surdo. Não tem como eu ouvir o médico me chamando.
- Mas, você está conversando normalmente comigo. Você escuta um pouco, não é mesmo?
- É claro que eu estou conversando normal com você. Eu não sou mudo, falo normalmente. Porém, eu não escuto nada, leio nos lábios e nas vezes que eu pedi para você repetir alguma coisa foi porque eu não entendi, muito diferente de ouvir.
A moça ficou totalmente sem graça, foi à sala do médico e provavelmente informou que eu não escutava e descreveu como eu estava vestido, pois quando o médico surgiu novamente, ele se dirigiu até onde eu estava sentado e perguntou se eu era o "Jairo Fernando". Ele era gastroenterologista e me atendeu muito bem.

Cheguei ao consultório do oftalmologista junto com minha esposa. Normalmente compareço sozinho às consultas médicas. Mas como ela estava de folga, resolveu ir junto comigo. Preenchi a papeleta de atendimento, minha esposa do lado, conversando com a atendente. É normal a curiosidade das pessoas frente ao casal atípico, eu, surdo e minha esposa, ouvinte. Quando fui chamado, a atendente se dirigiu à minha esposa (infelizmente, é a norma entre a população. Se é mais fácil lidar com a pessoa considerada normal, é a esta que se dirigem). Enquanto me dirigia para a porta do consultório, minha esposa disse que me esperaria na rua e desceu as escadarias para o térreo. Adentrei a sala do médico e ele perguntou:
- Você é o Jairo?
- Sim. – e tenho por hábito deixar claro desde o início que sou surdo – Doutor, eu sou surdo, tenho surdez bilateral profunda.
- Tudo bem. Mas, você fala bem. O que aconteceu?
- Eu perdi a audição por causa de meningite, quando eu tinha 13 anos.
Fez as perguntas de praxe, o que eu estava sentindo, porque estava consultando novamente, quando fiz meu último exame e como estava minha visão com os óculos atual.
- Você tem algum problema com a pressão ocular?
Ele repetiu esta frase três vezes antes que eu compreendesse. E antes que eu respondesse, minha esposa abriu a porta da sala e entrou.  Eu estranhei que ela entrasse assim, sem mais nem menos, mas esclareci logo:
- É minha esposa.
Minha esposa não estava com uma cara boa...
- Doutor, o senhor está gritando com meu marido. Ele é 100% surdo.
- Eu sei, ele me falou. Mas, ele está entendendo tudo.
- É claro que está, doutor! Ele lê nos lábios também. Então, não precisa do senhor gritar. Mesmo se o senhor falar sem voz ele vai entender.  Não é o volume da sua voz que está possibilitando ele entender o que o senhor está falando.
Eu peguei metade da conversa, mas compreendi logo porque minha esposa estava ali. E o médico ficou totalmente vermelho, com um sorriso amarelo no rosto, gaguejando (deveria ter uma cor para o gaguejar também).
Ele terminou a consulta, me deu a receita e mais calmo, apertou minha mão e da minha esposa, dizendo que foi um prazer nos conhecer (acredito que, nem tanto).
Indo para casa minha esposa me conta:
- Você nem imagina o quanto o médico estava gritando. Lá de baixo dava para ouvir tudo, tudo que ele te perguntava e tudo que ele te informava. Todos ficaram sabendo seu nome, que você tem miopia, que o grau do seu óculos vai aumentar um pouco, que sua pressão ocular está normal.
- Nem imaginei. Mas que absurdo, afinal, ele sendo médico, deveria ter um mínimo de conhecimento sobre deficiências.
- Quando eu subi, as atendentes estavam rindo da gritaria e a que conversou comigo falou que eu deveria ter entrado junto com você. Eu disse para ela que você é plenamente capaz de entender e ser entendido. Que o médico não deveria gritar como estava gritando, parecendo louco.
A partir deste momento mudei meu modo de apresentação:
- Doutor, eu sou surdo, tenho surdez bilateral profunda causada por meningite. Sou 100% surdo e para conversar comigo não é necessário elevar a voz.
Mudei porque fiquei preocupado com meus dados pessoais de saúde sendo alardeados pelo quarteirão. Imagine se, ao invés de médico oftalmologista fosse proctologista ou urologista?

Para ler as dicas sobre como conversar com os surdos basta clicar AQUI

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