- Quando eu bebo Sukita, meu coração palpita.
Rimos. Mas eu quis saber o por quê da frase.
- É uma propaganda que está passando atualmente. Muito
legal, bem humorada.
Era a propaganda do Tio Sukita, que ficou muito famosa e
verdadeiramente fez crescer as vendas do refrigerante. Não sei se o personagem
declamava o que o Amarildo citou. Na época não era fácil saber o que realmente
era dito na TV se eu não tivesse uma boa alma ao lado no momento justo da
propaganda. Hoje, as pesquisas na internet só retornam as propagandas do tio,
que eu assisti e entendia mais ou menos (o quarentão se encantando pela menina
de 18 anos, que sempre no final ela o chamava de “tio”).
Mas, eu sempre aproveitava os “ganchos” das conversações e
declamei também:
- Quando eu bebo pinga, minha mãe me xinga.
O pessoal ri muito e eu e o Amarildo fomos duelando (o Amarildo primeiro, eu em seguida):
- Quando eu bebo Brahma, minha mãe reclama.
- Quando eu bebo pinga, minha mão catinga.
- Quando eu bebo Tatuzinho, nunca encontro o caminho.
- Quando eu bebo “mé”, eu não paro em pé.
- Quando bebo Coca-cola, não vou para a escola.
O pessoal ri, mas contesta:
- Uuuuu... não tem nada a ver Coca-cola e não ir para a
escola.
Eu aproveito a deixa de novo:
- Minha namorada de camisola, parece uma Coca-cola...
A “torcida” contesta de novo:
- Não bebeu, não valeu...
- Vocês estão muito exigentes – eu ri – Então, corrijo:
Quando eu bebo Coca-cola, vejo minha namorada de camisola.
- Quando eu bebo guaraná, minha namorada concordará. (só
podia ser o Amarildo! Modificada devido à censura militar à época).
Eu consegui uma boa rima:
- Quando eu bebo Guarapan, me lembro do Ivan.
O pessoal riu muito desta.
- Quando eu bebo Mate-Couro, me torno um touro. – o
Amarildo.
- Quando eu bebo Caracu....
- Parou, parou!
- Nem vem... essa não!
- Não bebe Caracu não!!
- Acabou... acabou...
Jantamos alegremente. A galinha, infelizmente, ficou meio
dura. Algumas partes mais macias que outras. Mas, com o apetite aberto pela
bebida, comemos como se fosse um banquete. Quem foi esperto pegou as partes
macias, fígado, peito, coração.
Mais tarde resolvemos ir até à mina buscar água. Levamos uma
garrafa de bebida, cigarros e uns pedaços de frango. O Edson carregava uma
lamparina para iluminar o caminho. Uns vinte minutos de caminhada depois,
chegamos à mina, onde enchemos os vasilhames de água, sentamos, bebemos,
fumamos e conversamos. Ouviram alguma coisa e o Amarildo brincou:
- É o lobo...
O Ivan discorda:
- Isso não foi uivo, foi pio de coruja.
Percebo os olhares de todos atentos, apurando os ouvidos
para identificarem o som.
- Agora foi um uivo... – insiste o Amarildo.
- Amarildo, não tem lobo no Brasil.
- Tem sim, o lobo-guará! – insiste o Amarildo.
Eles me informam o teor da conversa e eu esclareço:
- Você está certo nesta questão, Amarildo. Temos o
lobo-guará, mas ele não uiva.
- Ah, essa não! Você não escuta, como você sabe disso?
Todos riem, eu inclusive. A bebida já estava afetando meu
amigo.
- Não escuto, mas sei que o cachorro faz “au-au”, o gato faz
“miau” e a hiena emite um som estranho que parece uma gargalhada humana...
- Lá vem você com seu conhecimento chato...
- Porque chato, colega? Eu apenas leio muito.
- Essa do lobo-guará não uivar nem eu sabia, Jairo.
- Eu tinha uma enciclopédia dos animais quando morei com
minhas irmãs e uma delas ganhou um monte de livros da biblioteca do padre, da
igreja em que ela trabalhava. Eu lia estes livros a tarde toda, depois que
chegava da escola, não tinha nada para fazer a tarde.
- Que barulho o lobo-guará faz?
- Late. – rimos todos – Mas não é o “au-au” dos cachorros, é
um pouco diferente.
O Amarildo resolve encrencar comigo:
- Se você nem ouve o que estamos ouvindo, como você pode
dizer o que está uivando?
- Não vem não, Amarildo. Em nenhum momento eu disse que
sabia o que está uivando. Mas, sinceramente, conhecendo nossa fauna, o Ivan
está certo, deve ser uma coruja.
O Edson reclama com o Amarildo, pois o mesmo estava
distorcendo o que eu disse antes. Sabendo que ele já tinha bebido muito, o
Walter brinca:
- Passa a garrafa prá cá, Lobo Mau.
- Vai virar um lobisomem se continuar bebendo desse jeito.
O Walter conta um caso, o Ivan traduz:
- Ele disse que uns tempos atrás, uma família na roça foi
praticamente dizimada pelo pai, que atacou a mulher e os filhos. O pessoal
dizia que ele se transformou em um lobisomem.
- Credo! – reclama o Edson – Vou dormir com a lamparina
acesa.
- É lenda. Não existe lobisomem. – diz o Amarildo.
O Ivan traduz o que ele diz e me fita. Ao perceber que vou
falar alguma coisa o Amarildo esbraveja:
- Se você falar que existe, vou brigar com você.
- Não existe! – eu ri, juntamente com o pessoal – Mas,
existe uma doença, uma síndrome, chamada licantropia, em que a pessoa acredita
que se transformou em lobo.
- Não acredito! – o Amarildo só faltava soltar fogo pelas
ventas – Me dê essa garrafa aí, Walter.
- Você vai jogar ela na cabeça do Jairo?
Rimos, porque sabíamos que no fundo, o Amarildo jamais
partiria para a violência comigo, ainda mais devido a divergências tão banais
de conversas. Era uma constante, debatermos sobre muita coisa. Mas, sabíamos
que a irritação dele era real, principalmente quando ele bebia.
- Como você sabe dessa, Jairo? – perguntou o Edson – Para
mim, transformações em lobos sempre foram lendas.
- A maioria é lenda mesmo, meu amigo. Na realidade, a pessoa
não se transforma em lobo, ela apenas acredita ter se transformado no animal,
passa a rosnar e a andar de quatro.
- Ainda não disse como ficou sabendo disso...
- Vocês vão rir: lendo revistinha de faroeste. – riram
mesmo. Expliquei – Coleciono Tex, e um dos números tem a história “Diablero”,
sobre um mexicano que se transforma em lobo, e encurtando, um personagem é
cientista, quando Tex diz que algo assim era impossível, explica que a medicina
há muito já havia relatado casos de licantropia, que é justamente esta doença.
Claro que eu não deixei por isso mesmo e procurei feito doido algum livro que
fizesse referência ao termo.
Hoje, com o Google, você acha o que quiser na internet. Mas
naqueles tempos, era muito difícil encontrar alguma coisa sobre raridades.
Licantropia é uma citação muito rara. Imagine mais de 30 anos atrás, a
dificuldade de pesquisa.
Quanto à revista de faroeste, eu tive mais de 200 números.
Anos depois eu vendi a coleção, por um bom preço, mas me arrependi depois.
Bebemos e fumamos. Resolvemos voltar para a casa. Eu já
estava um pouco “alto” e voltei com uma mão apoiada no ombro do Ivan. O pessoal
fica curioso:
- Tá brincando de guiar cego?
- Não, amigos. É que audição ajuda o equilíbrio e no meu
caso, a falta dela me faz andar cambaleando pior que bêbado. Quanto mais escuro
e mais irregular o chão, mais complicado é manter o equilíbrio. Eu ainda bebi
muito, o que piora a situação.
Foi uma das primeiras coisas que eu descobri ao perder a
audição. Andava escorando nas paredes. Demorou alguns meses até parte do
equilíbrio retornar. Mas, não conseguia andar de bicicleta, tive que aprender
de novo. Mas, mesmo depois de estar mais equilibrado, escuridão e chão
irregular me faziam cambalear muito.
Na casa, cansados e um tanto “altos”, fomos dormir. Antes de
apagar a lamparina, o Walter ainda brinca com o Amarildo, ao ouvir alguma
coruja piando ao longe:
- O lobo, Amarildo!!
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