segunda-feira, 31 de março de 2014

Eu, a ditadura militar e a epidemia de meningite - I


Vacinação em 1975 (SP).
Fonte: CREMESP
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A meningite começou um ciclo epidêmico no Brasil, especificamente no estado de São Paulo, no princípio da década de 70. Estávamos sob o comando do General Emílio Garrastazu Médici e a ditadura vivia seu período mais violento. Auge da repressão, tortura e censura. E é justamente a censura que causará os que hoje são as vítimas colaterais da ditadura militar. O surto ocorreu em 1971 e de acordo com médicos, a notificação às autoridades ocorreu no mesmo ano. Porém, os militares e suas autoridades de saúde negaram sua existência. Era a época da propaganda militar sobre o “milagre econômico” brasileiro e nada poderia macular esta imagem. E assim, mesmo alertadas pela comunidade médica, as autoridades brasileiras negaram a epidemia. Com a desinformação, com a negação e com poucas atitudes eficazes contra a epidemia, a doença, que fez as maiores vítimas em São Paulo, se alastrou pelo Brasil. A meningite é uma doença que atinge principalmente as crianças menores de sete anos. Os adultos adquirem resistência natural ao germe. A causa da alta taxa de incidência sobre pessoas mais velhas deve-se à sobreposição de duas ondas epidêmicas. Consideraram que havia um vírus novo, que atingiu grandes proporções. Só na cidade de São Paulo foram 12.330 casos e cerca de 900 óbitos.  Os números no país, de acordo com o Ministério da Saúde, eram de 19.396 casos e nenhum óbito, um absurdo, claro. O Ministério da Saúde na verdade, não tinha dados satisfatórios sobre a epidemia. E a negação da epidemia pelos militares só acarretava mais problemas, pois os médicos realmente capacitados para lidarem com doenças infecciosas ficaram sobrecarregados. E a mordaça militar os impedia de compartilhar o seu conhecimento com os demais médicos. Assim, os médicos que não tinha experiência com doenças infecciosas entravam em pânico como as pessoas leigas no assunto.

Não havia vacina e as que haviam ainda estavam sendo testadas na população de risco, crianças menores de cinco anos. Os especialistas consideram que não é possível alegar que a epidemia seria menor, porém, com alertas e orientações específicas, a mortalidade e as sequelas seriam bastante reduzidas.
A censura à epidemia de meningite durou até o início de 1975, mesmo assim porque os militares já preparavam uma grande campanha de vacinação. A vacinação começou em São Paulo e depois no restante do país. Todas as pessoas com mais de seis meses de vida foram vacinadas. Infelizmente, para mim já era tarde demais. Em 1973 eu dei entrada no Hospital Santa Marta, em Formiga, com os sintomas de meningite.

Devido aos 50 anos do golpe militar, vale a pena lembrar o modus operandi dos militares. Com censura e apoio velado da mídia, a epidemia de meningite foi uma das tantas atrocidades da ditadura que foi minimizada com o tempo.

Publicado originalmente em 27/05/2013

segunda-feira, 17 de março de 2014

A importância de saber conversar com os surdos

A atendente da Santa Casa me atende educadamente, explico que sou surdo, ela fala mais devagar e quando não entendo peço para ela repetir. Diz para eu aguardar que logo o médico me chamaria. Porém, mesmo com a explicação de que sou surdo fiquei esquecido, mofando no assento. Ao perceber que as pessoas que chegaram depois de mim estavam sendo atendidas, eu fui até a recepcionista e reclamei:
- Moça, o médico já chamou duas pessoas que chegaram depois de mim.
- Mas, ele já te chamou. Você não ouviu?
- Eu lhe disse que sou surdo. Não tem como eu ouvir o médico me chamando.
- Mas, você está conversando normalmente comigo. Você escuta um pouco, não é mesmo?
- É claro que eu estou conversando normal com você. Eu não sou mudo, falo normalmente. Porém, eu não escuto nada, leio nos lábios e nas vezes que eu pedi para você repetir alguma coisa foi porque eu não entendi, muito diferente de ouvir.
A moça ficou totalmente sem graça, foi à sala do médico e provavelmente informou que eu não escutava e descreveu como eu estava vestido, pois quando o médico surgiu novamente, ele se dirigiu até onde eu estava sentado e perguntou se eu era o "Jairo Fernando". Ele era gastroenterologista e me atendeu muito bem.

Cheguei ao consultório do oftalmologista junto com minha esposa. Normalmente compareço sozinho às consultas médicas. Mas como ela estava de folga, resolveu ir junto comigo. Preenchi a papeleta de atendimento, minha esposa do lado, conversando com a atendente. É normal a curiosidade das pessoas frente ao casal atípico, eu, surdo e minha esposa, ouvinte. Quando fui chamado, a atendente se dirigiu à minha esposa (infelizmente, é a norma entre a população. Se é mais fácil lidar com a pessoa considerada normal, é a esta que se dirigem). Enquanto me dirigia para a porta do consultório, minha esposa disse que me esperaria na rua e desceu as escadarias para o térreo. Adentrei a sala do médico e ele perguntou:
- Você é o Jairo?
- Sim. – e tenho por hábito deixar claro desde o início que sou surdo – Doutor, eu sou surdo, tenho surdez bilateral profunda.
- Tudo bem. Mas, você fala bem. O que aconteceu?
- Eu perdi a audição por causa de meningite, quando eu tinha 13 anos.
Fez as perguntas de praxe, o que eu estava sentindo, porque estava consultando novamente, quando fiz meu último exame e como estava minha visão com os óculos atual.
- Você tem algum problema com a pressão ocular?
Ele repetiu esta frase três vezes antes que eu compreendesse. E antes que eu respondesse, minha esposa abriu a porta da sala e entrou.  Eu estranhei que ela entrasse assim, sem mais nem menos, mas esclareci logo:
- É minha esposa.
Minha esposa não estava com uma cara boa...
- Doutor, o senhor está gritando com meu marido. Ele é 100% surdo.
- Eu sei, ele me falou. Mas, ele está entendendo tudo.
- É claro que está, doutor! Ele lê nos lábios também. Então, não precisa do senhor gritar. Mesmo se o senhor falar sem voz ele vai entender.  Não é o volume da sua voz que está possibilitando ele entender o que o senhor está falando.
Eu peguei metade da conversa, mas compreendi logo porque minha esposa estava ali. E o médico ficou totalmente vermelho, com um sorriso amarelo no rosto, gaguejando (deveria ter uma cor para o gaguejar também).
Ele terminou a consulta, me deu a receita e mais calmo, apertou minha mão e da minha esposa, dizendo que foi um prazer nos conhecer (acredito que, nem tanto).
Indo para casa minha esposa me conta:
- Você nem imagina o quanto o médico estava gritando. Lá de baixo dava para ouvir tudo, tudo que ele te perguntava e tudo que ele te informava. Todos ficaram sabendo seu nome, que você tem miopia, que o grau do seu óculos vai aumentar um pouco, que sua pressão ocular está normal.
- Nem imaginei. Mas que absurdo, afinal, ele sendo médico, deveria ter um mínimo de conhecimento sobre deficiências.
- Quando eu subi, as atendentes estavam rindo da gritaria e a que conversou comigo falou que eu deveria ter entrado junto com você. Eu disse para ela que você é plenamente capaz de entender e ser entendido. Que o médico não deveria gritar como estava gritando, parecendo louco.
A partir deste momento mudei meu modo de apresentação:
- Doutor, eu sou surdo, tenho surdez bilateral profunda causada por meningite. Sou 100% surdo e para conversar comigo não é necessário elevar a voz.
Mudei porque fiquei preocupado com meus dados pessoais de saúde sendo alardeados pelo quarteirão. Imagine se, ao invés de médico oftalmologista fosse proctologista ou urologista?

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sábado, 8 de março de 2014

Conversar com os surdos


A maioria das pessoas não tem informações suficientes da maneira correta de conversar com um surdo. Um dos maiores problemas é a pessoa acreditar que todos os surdos são iguais e que todos sabem Libras. A melhor forma de aprender se o surdo com quem você está tentando entabular uma conversa é oralista, sinalizado ou bilíngue é perguntando. Não tenha receio de perguntar: "você sabe Libras?", "você lê os lábios?", pois as respostas a essas perguntas facilitarão bastante sua conversa com um surdo. As dicas abaixo foram escritas por uma blogueira surda que, atualmente, utiliza implante coclear. Para ler as dicas, clique no link e irá direto ao blog da autora.
 
Clique AQUI para ler as dicas
Já tive em mãos cartilhas simplificadas ensinando como lidar com os deficientes em geral. Mas, nenhuma se aprofunda nas diferenças das próprias deficiências. Assim como há diversos tipos de paralisia, diversos tipos de cegueira, também há diversos tipos de surdez. Como as diferenças da paralisia são visíveis e mesmo algumas da cegueira, as diferenças de surdez não são perceptíveis. Portanto, só conversando com o próprio surdo será possível saber qual é o tipo de surdez dele.

Leia as dicas, divulgue e depois publicarei meu próximo post, um caso envolvendo justamente o modo de lidar com os surdos.