Naqueles tempos (princípio dos anos 80), as empresas não se preocupavam nem um pouco com os deficientes. Em Formiga eu tinha trabalhado num escritório contábil. Vim para BH e comecei trabalhando numa fabriqueta de puxador de tampa de panela, feitos a base de baquelite, um pó preto que enegrecia minha garganta também. Cuspia um pó preto. Claro, não usava máscara protetora. Só luvas. O trabalho horrível, junto a uma prensa, dez horas diárias. Logo larguei e fui buscar outro emprego. Lembro quando fui até um escritório, num dos andares do Edifício Acaiaca, respondendo a um anúncio de jornal, para auxiliar de escritório. Quando cheguei, havia mais de 10 candidatos à vaga. Fui no balcão, onde uma morena bonita atendia a todos com um sorriso nos lábios:
- Vim a respeito do anúncio para vaga de auxiliar de escritório.
- Basta preencher este questionário. - me entregou um questionário padronizado, de duas folhas. - Ao terminar, me devolva.
Ela não perguntou sobre deficiência e como eu estava lendo perfeitamente nos lábios dela, não informei que era surdo. Também acreditei que não era o momento, uma vez que ainda iria preencher o questionário.
Preenchi, respondi as questões pessoais, sobre os trabalhos anteriores e ôba, algo que eu sou bom, escrevi uma pequena redação sobre o trabalho de auxiliar de escritório e a convivência com os colegas.
Terminei e entreguei para a morena bonita e ela disse:
- Aguarde um instante por favor.
Fiquei lá, sentado, olhando para a moça, com receio de que ela me chamasse e eu não percebesse. Eu sei que ela estava chamando pelos nomes porque ela pegava o questionário, lia em voz alta o nome e a pessoa ia até o balcão. A primeira que ela chamou foi uma moça, depois um rapaz e eu fui o terceiro!
- Jairo Fernando.
Fui para o balcão e então ela falou alguma coisa comigo, só que desta vez com a cabeça um pouco baixa, olhando para o formulário, o que impossibilitou que eu fizesse a leitura labial. Como eu não respondi, ela levantou os olhos e me encarou:
- E então?
- Desculpe, moça, eu sou surdo. Poderia repetir a pergunta?
Mas, ela não repetiu a pergunta. Ela pegou o próximo formulário e chamou o quarto nome. E, sem ao menos me dar qualquer satisfação, pegou outro formulário e chamou o quinto nome. E eu aguardando. Mas, ela reuniu o meu formulário junto aos demais que sobraram e informou, enquanto se levantava:
- As vagas já foram preenchidas.
- Mas, moça, você chegou a chamar o meu nome antes! - eu ainda reclamei.
- Pois é, mas você é surdo, não vai dar.
E não esperou que eu retrucasse ou reclamasse de novo, levantou-se de vez, dirigiu-se para uma porta aos fundos e desapareceu.
Eram tempos difíceis, quando os surdos não tinham nenhum direito e sua capacidade era totalmente colocada à prova. Bastava falar "eu sou surdo" e pronto! Era a senha para ser dispensado.
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