Chegando em casa após o serviço, cumprimento minha irmã, que estava sentada à mesa, escrevendo alguma coisa. Ela se volta, meio que assustada:
- Você viu a caçula brincando? - esta minha irmã usava/usa datilologia, que é a escrita das palavras/frases utilizando o alfabeto manual dos surdos (letra por letra).
- Não, por quê?
Minha irmã dá um pulo da cadeira, corre para o quintal, procura a caçula pelos cantos. Não vendo a menina, se desespera:
- Ai, meu Deus! Ela saiu sem me avisar!
A caçula tinha apenas quatro anos, não tinha idade para sair sozinha. Só saia com conhecimento de algum dos mais velhos. Minha irmã quase tem uma crise, abre o portão, olha pra um lado e outro.
- Minha mãe vai me matar se chegar e eu não encontrar a caçula.
- Calma, ela deve ter ido à casa de alguma das amiguinhas dela.
Meu tio vem chegando. Percebe que eu e minha irmã estamos aflitos.
- Que isso? Que aconteceu?
- A caçula sumiu! – responde minha irmã, quase chorando.
Explica que deixou a caçula brincando e que enquanto estava escrevendo a caçula abriu o portão e saiu sem avisar.
- Vamos, vamos! – eu disse. – Eu vou procurar na casa da vizinha da esquerda e você vai para a direita.
Saímos apressados em direções opostas. Fui até o armazém, menos de um quarteirão de distância. A caçula costumava brincar com a filha do dono do armazém. Perguntei se a minha irmãzinha estava lá. Ele não sabia, foi até os fundos perguntar. A casa era acoplada ao armazém. Voltou logo depois informando que a filha dele não estava, tinha saído com a mãe. Agradeci e fui mais alguns quarteirões à frente, olhando para um lado e outro, prestando atenção em todas as crianças do sexo feminino. Nada de nada! Voltei, acreditando que talvez minha irmã já estivesse de volta junto com a caçula.
Meu tio ainda estava no portão.
- Não estava lá. Cadê minha irmã?
- Está vindo ali...
Vinha sem a caçula. Contou que perguntou à costureira e ela disse que não, a caçula não tinha aparecido por lá. Entramos e minha irmã já estava chorando.
- Vou trocar de roupa e vou procurar mais para o centro.
- Vou com você. – eu disse. – O senhor, tio, fica aí, caso ela apareça.
Minha irmã ruma para o quarto e dá um grito (meu tio ouviu e se assustou, por isso sei que minha irmã gritou). Fomos para o quarto e deparamos com a caçula dormindo numa das camas.
Minha irmã sacode a caçula e pergunta, nervosa:
- Onde você estava?
A caçula gagueja:
- Que... que... ?
Minha irmã aponta o dedo em riste para a caçula:
- Você estava fingindo que estava dormindo? Você saiu sem me falar! Onde você foi?
A caçula, os olhos sonolentos, olha para minha irmã, para mim e para meu tio, desnorteada.
- Calma, mana! Ela estava dormindo mesmo! Veja os olhos dela, estão sonolentos de verdade! Lembre-se que o tio ficou no portão enquanto nós procurávamos por ela. Portanto, não tem como ela estar fingindo.
- Mas.. mas..
Eu ri:
- Lembra que quando eu cheguei, eu parei aqui na sala e você me perguntou pela caçula? Quando eu disse que não vi, saímos feito doidos, MAS NÃO OLHAMOS O QUARTO!
Minha irmã meneou a cabeça. Riu:
- É verdade! Provavelmente eu estava concentrada escrevendo e ela passou por mim e foi dormir, sem eu perceber.
Eu, minha irmã e meu tio começamos a rir. A caçula olhava um e outro, com aqueles olhinhos de criança inocente. Talvez pensasse, lá no fundo: “que cambada de doidos!”
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Publicado no meu antigo blog em 03/08/2008.